Carmenere: Polêmica no Brasil e no Próprio Chile

Amigos,
A casta Carmenere é relativamente polêmica no Brasil. Se por um lado há muitos enófilos que a apreciam, há também um contingente significativo dos que a evitam, por considerarem seus vinhos muito herbáceos. Eu, particularmente, aprecio a uva, principalmente nos vinhos de alta gama, onde os cuidados na produção visam minimizar esse herbáceo destacado. Inclusive, eu já havia manifestado minha opinião aqui no blog, no post do link a seguir: Top 15 Carménère Chilenos e Curiosidades da Uva.
Em face dessa questão, surgiu a curiosidade de saber como a uva é vista no Chile. Então, convidei o amigo Homero Gac, com quem já tive o prazer de dividir bons vinhos desta uva, durante minhas viagens ao Chile, para contribuir com um novo Post, nos contando como essa uva é vista pelos chilenos, seus maiores e mais famosos produtores.
O texto foi traduzido e o arquivo original em espanhol, está no seguinte link: Carmenere – una cepa difícil.
Boa leitura e não esqueçam de deixar sua opinião sobre a cepa nos comentários do Post!!!

Carmenere: uma uva difícil.

Queridos amigos, quero abordar uma das discussões mais frequentes entre aqueles que amam o vinho no Chile: qual é a realidade da Carmenere?

E isso nasce porque existe no meu país um gosto generalizado pela cepa, transversal à idade e sexo, com um certo orgulho nacional visto que ela se tornou a mais emblemática do Chile pelo mundo. Mas, entre os enófilos mais experientes e os que constantemente provam diferentes vinhos, essa não é a favorita e há poucos vinhos Carmenere que incluiríamos entre os favoritos. Se somarmos a isso os comentários de enófilos de fora do país que, graças à aplicativos como o Vivino, podem ser lidos por aqui, parece que a situação da cepa é complexa.

Historicamente, a linhagem é originária de Médoc, em Bordeaux, com uma presença histórica especial em Graves. Carménère ou Carmenere era usada em cortes com Petit Verdot e seu nome derivou da cor carmim de suas folhas antes do outono. Também chamada Grande Vidure, se imaginava que ela teria sido uma uva-mãe das outras  uvas de Bordeaux. Talvez esse sobrenome tenha vindo da uva Bitúrica dos romanos, que a  nomearam como originária da Hispânia e do sul da França.

Carmenere

Após a chegada das uvas de Bordeaux que foram trazidas para o Chile pela admiração da cultura francesa no século XIX, essas Carmenere se perderam confundidas com a uva Merlot. Dada a sua presença em áreas como o Peumo e as diferenças que os enólogos percebiam ao usá-la, com características semelhantes à Cabernet Franc, pensava-se que poderia até ser um clone da Merlot que eles chamavam de Merlot Peumal.

Foi somente em 1994, durante o VI Congresso Latino-Americano de Viticultura e Enologia presidido pelo professor Filippo Pszczólkowski, que o ampelógrafo francês Jean Michel Boursiquot de Montpellier, convidado para o evento, a identificou como Carmenere.

A partir daí, despertou-se o uso comercial dessa uva para começar a fazer vinhos e elevá-la à categoria de uva emblemática do Chile.

Suas características são aromas e sabores de frutas vermelhas, principalmente cereja, taninos robustos e presença de pirazina. Esta última também é encontrada em menores quantidades na Cabernet Sauvignon e Merlot e em quantidades semelhantes na Cabernet Franc e é a origem dos aromas e sabores descritos como pimentão verde e pimentão vermelho assado. Talvez seja esse o descritor, que é percebido mais nas uvas sujeitas a baixas temperaturas, o responsável pela maior dificuldade na aceitação da cepa. Minha impressão é de que é semelhante ao que um Cabernet Franc do Loire ou alguns vinhos de Bordeaux produzem, mas mais expressivo em anos de menos calor.

Quanto ao terroir, o centro do Chile é onde mais vemos a cepa, embora agora haja vinhos interessantes em Elqui. Mas, talvez sejam Maipo, Colchagua e Vale do Aconcagua os que tenham os melhores vinhos.

E aí entramos na questão dos custos dos vinhos, porque, diferentemente de outras uvas, na Carmenere são, quase que exclusivamente, os vinhos muito caros que se destacam. Podemos citar Carmim de Peumo da Concha y Toro, Tatay de Cristóbal da Von Siebenthal, Kai da Errázuriz, Purple Angel da Vina Montes, Microterroir da Casa Silva ou Alka da Lurton. Todos são vinhos de produção muito baixa, quase todos com alguma mistura com Petit Verdot no estilo Médoc, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc ou Merlot. Daqueles nomeados acima, apenas Alka e Microterroir são 100% Carmenere e provavelmente seu melhor ano foi 2007, quando todas as condições foram magníficas.

Se analisarmos esses exemplos, todos são vinhos com envelhecimento prolongado, entre 18 e 24 meses em barris de carvalho, e em áreas bastante ensolaradas.

Então, quando me pergunto o que acontece no Chile e a disparidade de opiniões com o público de outros países, me recordo do casamento do filho de um amigo, onde conversamos sobre esse tema. Lá, o pai do noivo escolheu Montes Alpha Carmenere como o vinho tinto do casamento, e ele foi muito bom em sua safra 2017. Daí, concluímos algumas razões para a boa aceitação no Chile:

  1. Para você gostar do Carmenere, você deve pelo menos estar acostumado a cepas com pirazina como as que já foram nomeadas . No Chile, vivemos habituados pelo nosso clássico Cabernet, que também é poderoso em taninos. Com isso, o vinho “pede” uma harmonização com a comida, para bebê-lo, mais do que um vinho (de outras uvas) que pode ser bebido sozinho. Imagino que para um argentino ou um brasileiro que tenha experimentado muitos Malbecs Andinos com suas notas frutadas e quase doces, baixa pirazina e taninos que já são redondos em vinhos jovens, a experiência de um Carmenere não é classificável como “fácil de beber”.
  2. No Chile existe um tipo de nacionalismo por esta uva pelo consumidor médio, com a ideia de que ela é o que melhor representa o país e que somos únicos produtores no mundo. A ideia certamente está errada, já que os EUA, Itália, México e Uruguai comercializam a uva. Eu só provei o uruguaio e, de qualquer forma, foi decepcionante.
  3. Também existe uma ideia generalizada entre o público feminino do Chile, de que a Carmenere é “mais suave” e mais feminina que o Cabernet Sauvignon ou Syrah.
  4. Exite uma grande oferta da uva no Chile, com muitas vinícolas produtoras, supermercados com grandes prateleiras de vinhos dessa uva e presença quase obrigatória nas degustações, nas visitas às vinícolas.
  5. O paladar nacional, que recebeu a opção frequente de prová-la em muitos cortes com Cabernet Franc e Sauvignon, Merlot, Syrah e Petit Verdot, deixando a ideia de que os grandes blends chilenos são bons graças a essa uva. Aqui, pode-se dizer que, perguntando aos provadores de prestígio o que mais se relaciona com o Chile, em termos de qualidade, é o Cabernet Sauvignon do vale Maipo, muito mais do que o Carmenere.

Provavelmente existem mais razões, mas minha ideia é que é uma uva com complexidades de comercialização em públicos que não estão acostumados a esses sabores e contra outras opções de uvas mais “amigáveis”, como Malbec, Cabernet Franc (principalmente argentino), Pinot Noir ou o versátil Syrah do Chile ou de outros países.

Por enquanto opino que é um gosto adquirido e que, em geral, prefiro claramente em blends. Espero que os bons vinhos dessa variedade caiam de preço e que possamos entendê-la melhor (considerando que sua redescoberta foi em 1994, há pouco mais de 25 anos) para fazer vinhos de grande variedade para múltiplos gostos, desde os mais ligados aos aromas e sabores da pirazina até os mais frutíferos e fáceis de beber.

En Qué Está el Vino Chileno en 2020

Por Homero Gac
Médico Geriatra
Profesor U Católica de Chile
Amante del Vino

36 comentários em “Carmenere: Polêmica no Brasil e no Próprio Chile

  1. Eu, particularmente, gosto da Carménère Chilena quando são vinhos de média a alta gama. Provei na Casas del Bosque algo desafiador … um varietal de Carménère colhida um mês antes e praticamente não tinha o herbáceo. É uma casta que é trabalhada há pouco mais de 2 décadas e isso se reflete no vinho e na indústria, obviamente. Estão aprendendo ainda como lidar bem com ela. É de maturação difícil, cujas 3 janelas têm dificuldades em coincidir. Acho que a qualidade está melhorando e irá melhorar ainda mais. Parabéns ao Homero pelo belo e franco artigo.

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    1. Muito bom texto.
      Acho que quanto mais tempo em barrica e maior temperatura ajudam a melhorar a pirazina da carmenere mas também o herbáceo característico do terroir chinelo. Gosto de tomar vinhos chilenos mais envelhecidos em garrafa e percebi uma grande alteração nas características dos vinhos. Ficam bem mais agradáveis e os toques herbáceos se suavizam fazendo o vinho ter personalidade distinta devido ao terroir. Abraço Sitta

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  2. Pois é Homero, estou no time que só aceita bem os carmeneres de qualidade superior, mas concordo 100% com você na questão de habituar o paladar.
    Excelente artigo.
    Parabéns mais uma vez Sitta pelo conteúdo do blog. Abs.

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  3. Gostei muito do relato. Eu particularmente tinha desistido do carmenère quando apareceu um, no ano passado, com preço razoável, que eu achei muito bom e passei a consumi-lo de novo

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  4. Eu sempre considerei Cabernet Sauvignon como a casta mais característica do Chile. No entanto, ao conviver mais com os chilenos fui apresentada ao Carmenere e adquiri o hábito de degustar vinhos desta cepa. Tenho gostado bastante dos que venho experimentando, pena que alguns com custo alto para um consumo regular.

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      1. Engraçado que virou moda falar mal da Carmenère na comunidade de candidatos a entendedores de vinho e supostos influencers. Fazer um bom vinho com essa casta não é trivial. De maturação tardia, exige que a colheita se dê respeitando o seu ciclo. Senão a pirazina, substância que confere o indesejado aroma de pimentão verde predomina. E o solo precisa possuir capacidade de drenagem. Solos argilosos, que retém muita água não são adequados. Vinhos muito extraídos dessa casta dão resultados ruins, pelas suas características de rusticidade e acidez moderada. Assim, quando respeitados os bons princípios de vinificação e de viticultura, a Carmenère pode resultar em bons a muito bons vinhos. Nunca excepcionais. Por isso, quando bem feito e numa faixa de preço adequada é sim, perfeitamente possível, ser muito feliz com os vinhos dessa uva.

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  5. Ao Homero e Sitta meus parabéns pela elucidativa narrativa. Estou no grupo dos que não compram vinhos dessa uva pois todos que bebi eram pra mim desagradáveis. Como foi dito, os melhores tem custo alto e não compensam aprecia-lós com frequência. Mais uma vez parabenizo o Sitta por dividir no seu ótimo blog impressões e análises profissionais que só nós faz tornarmos melhores enófilos.
    Zeka

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  6. Parabéns Homero, belo artigo!
    Eu tenho um pé atrás com essa uva, gosto dos aromas, mas o herbáceo incomoda muito, os da alta gama melhora muito.
    Muito bom Sitta.

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  7. Da minha parte não tenho problemas com a Carmenere, uva que gosto muito em vinhos mais elaborados. Já os de baixa gama com essa uva, eu não gosto mesmo! Parabéns Homero pelo belo texto!! Excelente! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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    1. Parabéns pelo texto esclarecedor (no meu caso) porque aprecio Carmenere em cortes muito mais que varietal. Realmente não é minha primeira opção ao escolher vinhos varietais embora reconheça o valor e prazer de um vinho como o Purple Angel. O Chile tem outras cepas emblemáticas que as aprecio e fico com elas. Um grande abraço

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  8. É quase uma unanimidade de quem gosta e conhece um pouco de vinho que os de baixa gama com a Uva Carmenere são realmente ruins e quase intragáveis ou sem vida, ontem mesmo tive uma rápida prova de um desses, bem não passou de um gole, mas a quem goste, e gosto não se descuti, mas os vinhos de Bordeaux são o que são, pois a Carmenere ja este lá, e em vinhos tops, e só não está porque sumiu do mapa Francês, enfim por ser uma Cepa que necessita mais cuidados que talvez um CS não é tão acessível e com isso conhecemos mais o baixo clero dos vinhos e aí os costumeiros “entendedores” são críticos mais vorazes. Não entender a história, o esforço, o processo e identidade, leva a estes distúrbios de opiniões. Pessoalmente quando alguém me pergunta qual vinho tinto deveria procurar para iniciar o relacionamento, pessoas comuns, cervejeiros até então, eu digo, comece com a Carmenere, ela será mais tranquila neste início de conhecimento. E o que dizer dos vinhos tops citados no texto acima, eles são de fato ótimos e traz todo esforço do Chile em mostrar seus atributos, e conseguem ..

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  9. Texto bastante esclarecedor, parabéns Homero e Sitta
    No meu caso, sou dos que se incomodam bastante com o herbáceo (pimentão) em quase 100% dos vinhos feitos com a casta carmenere, exceto os de alto custo (poucos têm) e os de médio custo (a maioria também incomoda)
    Mudei meu hábito e dificilmente compro vinhos com estas características
    Sds

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  10. Belíssima matéria do Homero. Eu particularmente não tenho problemas com essa casta. Admiro e reconheço grandes vinhos feitos com a mesma. Inclusive no Brasil temos alguns grandes exemplares. Parabéns!! Abraços!!

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  11. Em 2016, provei um Terrunyo Carmenérè 2007 espetacular. Creio que o tempo em garrafa ajudou muito. Estou guardando um 2016 para provar daqui a dois anos. Daniel Chaves recentemente recomendou um Adobe, da Emiliana, portanto, orgânico. Provei o 2019 e gostei bastante. Claro que não é um vinho top, mas, como custo/benefício, é esplêndido.

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