Entrevista com Márcio Verrone – Dono da Casa Verrone

Por Ivan Ribeiro:

No último dia 29/06/2020, em uma parceria da Duvale Wine Tasting representada pelo sommelier, escritor e poeta Ivan Ribeiro, Samuel Prado do grupo Vinhos Brasil e o blog Sommbrothers representado por João Carlos Ramos, tivemos o prazer de entrevistar o proprietário da vinícola Casa Verrone, Márcio Verrone.

Diga-se de passagem, não foi somente uma entrevista, foi um bate-papo descontraído e alegre, onde por mais de 2 horas conversamos sobre a história da vinícola, técnicas de plantio e planos para o futuro.

A pequena, porém promissora vinícola, está localizada na cidade de Itobi, interior de São Paulo. Mais uma vinícola que se desponta no cenário vitivinícola nacional com êxito na técnica de dupla poda, e Márcio Verrone, aos 51 anos de idade, nos conta sua história, um sonho que persegue há mais de 20 anos para realizá-lo.

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Iniciamos falando das expectativas do mercado, esperando que algo em torno de 1 milhão de garrafas de vinhos sejam produzidas nos vinhos de colheita de inverno para os próximos 2 anos. Depois ele falou do mercado e da complexidade do mesmo, até pelas razões do preconceito e da forma como os vinhos são produzidos e a estrada longa que tem para andar, dentro do cenário do mercado nacional. E que tem muitas regiões para crescerem no mercado e atingirem patamares de muito respeito dentro do âmbito nacional e internacional.

Resumimos a entrevista ao longo de algumas perguntas e respostas a seguir:

Quem é Márcio Verrone?
Em primeiro plano, sou um sonhador que vem batalhando para realizar esse sonho de mais de 20 anos. Depois, um louco por ter realizado o sonho e hoje um lutador para que o sonho permaneça vivo e que a coisa aconteça.

Qual é a sua formação?
Sou engenheiro agrônomo e, desde 1991, minha família trabalha com defensivos agrícolas (adubo, semente, etc) na cidade de São José do Rio Pardo, ou seja, o trabalho na agricultura vem desde o berço. Tendo ocorrido a transição para o plantio de uvas de uma forma tranqüila, porque é o mundo dele de hoje.

Qual é a história da vinícola?
O projeto da Casa Verrone iniciou nos anos 2000. Eu, como apreciador do famoso vinho da garrafa azul, o LiebeFraumilch, não era convidado para nenhuma degustação, daí me despertou o interesse de fazer cursos para aprender sobre vinho. Fiz cursos na ABS, básico e avançado em enogastronomia.

Como e quando iniciou o cultivo na cidade de Itobi?
No segundo semestre de 2008 conheci o engenheiro agrônomo Murilo Regina que me convenceu a fazer a técnica da dupla poda. Murilo Regina fez pós-doutorado na França e, segundo ele, lugar onde se produz café, é possível plantar uvas. Em 2009 iniciou os trabalhos na Casa Verrone. Com 1 ano nasceu o primeiro Syrah, extremamente herbáceo, o que lhe fez ensinar quanto ao tempo do vinhedo e que teria potencial de qualidade.

Como surgiu a ideia de parceria com a Epamig sobre a dupla poda?
A Casa Verrone surgiu após o incentivo da parceira Epamig em conjunto com o trabalho de Murilo Regina e o conhecimento dele foi fundamental para essa parceria. Em seus estudos na França, ele observou que o verão no sul daquele país, região do Rhone, era semelhante ao inverno da região sudeste brasileiro, pois há uma grande amplitude térmica, ou seja, dias quentes e noites frias, que agrega muito na planta. E, que onde se planta café, se planta uva. Quando se começou a imaginar e ter a possibilidade de cultivos da região.
Com isso, houve uma quebra de paradigma como relação aos paralelos 30-50 (norte e sul).
O plantio é possível, mesmo considerando as diferenças de terroirs em qualquer região do mundo. 

(Nesse ponto, falamos bastante sobre as diferenças dos terroirs, inclusive dentro do Brasil com suas características e aspectos. Inclusive em termos de vinificação de acordo com o tipo de carvalho e barrica utilizado). Falamos também sobre os planos do cultivo do Primitivo e Pinot Noir. E forma como são encomendadas as barricas de acordo com a determinação dos Enólogos quanto aos níveis de tosta que são utilizados.

Quantas pessoas estão envolvidas com a vinícola?
Atualmente a Casa Verrone conta com um total de 15 pessoas, possuindo 12 hectáres. Entre as 15 pessoas, a vinícola conta com 02 enólogos, sendo 01 fixo e 01 consultor.

Por tratar-se de um experimento, quais foram os obstáculos encontrados nas primeiras colheitas e vinificações?
No início, em 2009, foi muito difícil, fiz o plantio debaixo de muita chuva (chuvas em torno de 100mm), como as plantas são trepadeiras, sem as escoras, junto a isso, o calor e umidade gerou doença na planta, quando elas caiam deitadas no meio do mato. E a uva se misturou com o mato e dificultou todo o controle do plantio, quase levando a desistência total. Outro acontecimento foi quando, deixei a folha cobrir o cacho a conselho de profissionais, resumindo, o cacho doente não recebia remédio, e teve 100% de perda. O que serviu de grande ensinamento e experiência para o futuro.
Hoje as uvas são protegidas por tela e com isso evita-se o ataque de Tucanos, Arapuá, Maribondos e Siriemas.

Além das tarifas e preconceito com o produto brasileiro, quais são as dificuldades para colocar os vinhos da Casa Verrone no mercado?
O problema é ser conhecido no mercado. A Casa Verrone entrou para o mercado só em 2016. Pensa num cara que não dormia a noite, pensamentos circulavam na cabeça de uma empresa nova que todos falavam que os vinhos eram legais, mas eles não sabiam quanto. Lógico que as pessoas receberam bem, o mercado em 2016 já tinha um cenário mais receptivo. Eu tinha um peso grande para vencer e só tinha a Guaspari na minha frente. Estávamos juntos no mesmo barco, sem estarmos juntos, cada um no seu ponto e cuidando dos seus negócios. A Guaspari com muito capital e eu capinando para manter o negócio. Acontece que, em 2015 eu comprei barricas de carvalho francês e o enólogo me pediu para armazenar o Chardonnay. Mas elas haviam sido compradas para serem utilizadas na produção do Syrah. Só que tive que mandar para armazenar o Chardonnay.  Em março de 2016 houve uma avaliação nacional de vinhos no Sul, eu peguei minha esposa e fomos para lá, qual não foi minha surpresa, ganhamos o prêmio de melhor Chardonnay do Brasil. Pensa em pessoa que ficou sem dormir!!! E nisso se espalhou em diversos meios de comunicação, e se tornou bastante conhecida. 

Se houvesse uma oportunidade de parceira com alguma grande vinícola, como seria a sua aceitação?
Até poderia fazer uma parceria, desde que não perdesse a qualidade. Se tivesse que associar a uma vinícola grande, essa seria a maior exigência, manter a qualidade dos produtos.

Qual a linha de vinhos completa hoje da Vinícola? Existe alguma pretensão de alterar alguns dos rótulos existentes ou agregar elementos aos mesmos?
Hoje a Casa Verrone conta com 11 rótulos. A linha de entrada, com o Syrah que não possui passagem por madeira, sairá de circulação em 2021. A linha colheita , hoje composta pelo Syrah, e Sauvignon Blanc e Viognier, será ampliada, agregando Cabernet Sauvignon, A linha Speciale que tem o Syrah, e o Chardonnay. O Gran Speciale é um corte Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Esse vinho passa por 12 meses de barrica nova. Haverá a inserção de outras castas no portifólio. Vem surpresas para 2021 na linha Gran Speciale!!!

Quais são as perspectivas para o futuro? A dupla poda é algo que veio para ficar? Nós estamos acreditando no presente momento, que o enoturismo será a grande mola para o nosso negócio. No sentido que, se você tiver o consumidor final dentro da nossa casa, teremos bons resultados. Estamos construindo um restaurante que ficará pronto no final de 2020. Faremos visitas enoturísticas com almoços temáticos, passeios no meio do vinhedo. Estamos realizando treinamentos com um chef de cozinha para eventos diversos, já definindo pratos e conduta de ritmo para o restaurante. A intenção é fazer com que o público conheça a nossa história, faça degustações guiadas e finalize com um almoço acompanhado com nossos vinhos.

Qual é o tratamento feito pela vinícola para que a parreira não tenha um estresse? Ainda é cedo para falar em durabilidade das plantas. Sempre lembrando que uma safra se dá a partir do terceiro ano. Mas, isso tudo depende da condução da planta na dupla poda. Já que o Murilo Regina tem vinhos com 14 anos e eu já tenho com 10 anos, provenientes da dupla poda. Então o ciclo dela pode ser bem mais amplo.

Existe algum estudo para elaborar um vinho natural? (Qual seu pensamento em relação aos vinhos biodinâmicos e veganos? Pensam em produzir?
Não. Não tenho pretensão de fazer vinhos “naturebas”, pois a incidência de doenças de verão me impede de fazer um plantio sem o uso de produtos “não naturais”, o que poderia levar a uma perda de produção muito grande, que faz com que a videira fique desprotegida após a segunda poda e com o tempo de chuva acarreta um índice alto de doenças que inviabilizaria a produção.
Mas, dentro dessa linha, o Syrah de entrada do Vinícola era um vinho sem intervenção em barrica e sem ser filtrado. Um vinho que quase foi todo descartado. Mas, que ganhou em evolução de garrafa, tornando-se um vinho muito harmonioso.

Há algum estudo para o plantio de outras cultivares além das que estão no portfólio?
Sim. Existe um estudo para fazer testes com outras uvas, Marselan e Grenache, mas isso ocorrerá no próximo ano. Ano que vem entra a uva Primitivo. Os testes de Pinot Noir estão acontecendo e já vai ser aumentado a quantidade de plantas, para fazer Pinot Noir tranqüilo com passagem em barrica.

Além dos vinhos que já estão no catálogo, existe algum estudo para elaborar um espumante tinto, um vinho de sobremesa ou um laranja?
Sim. Faremos um vinho de sobremesa com Sauvignon Blanc, com certeza. Vinho laranja não. Espumante tinto nem pensei ainda nessa possibilidade. Temos 11 rótulos no portfólio e certamente virão grandes opções para o futuro.

Já existe algum trabalho na área de Enoturismo? Quais os atrativos que a vinícola oferece para os visitantes? A vinícola conta com um restaurante? Se sim, como foi pensado o cardápio em relação aos vinhos produzidos?
Sim. O término do restaurante está previsto para novembro de 2021. Antes o visitante era recebido em um barracão velho com um espumante, conhecia o viveiro existente na vinícola e ia até a área do plantio e conhecia o processo da dupla poda. Depois ia até a sala das barricas, provava em uma barrica e depois uma degustação com 4 rótulos com queijos e pães da região. Durava em torno de 2 horas.
Agora, a intensão é fazer o mesmo esquema, incluindo um passeio de trator com uma degustação no próprio vinhedo e finalizando com um almoço ou jantar. Até a fábrica ficar pronta. E, aí a fábrica entra no circuito também.
Temos um projeto para fazer cursos sobre vinhos (nacionais e internacionais) e degustações. Cursos de mesa posta e muitas outras novidades.
A ideia do restaurante também se estende para eventos, casamentos, etc.  O treinamento com o chef visa elaborar um cardápio que harmonize com os vinhos desde a entrada, o prato principal e finalizando com a sobremesa.
Um investimento muito grande que vem sendo realizado em todos esses espaços, que apostamos nossas fichas nesse caminho.

Agradecemos ao Márcio Verrone por um bate papo muito gratificante e enriquecedor, que no final conseguimos reunir o João Carlos (que tem a Vinícola Reconvexo, em formação em Morro do Chapéu), a Procópio (via áudio, diretamente de Andradas – MG, Vinícola Stella Valentino) e o Márcio Verrone. Com uma troca de conhecimentos, mercado de vinho, técnicas de vinificação, projetos futuros do vinho brasileiro e da Casa Verrone.

O Vinho Brasileiro agradece ver profissionais e viticultores tão aguerridos no projeto de vinificação do mundo do vinho.

Ivan Ribeiro do Vale Junior.
Advogado / Sommelier / Professor / Escritor
WSET / ISG / FACSUL / UFRGS
Instagram: 
@duvalewinetasting

 

4 comentários em “Entrevista com Márcio Verrone – Dono da Casa Verrone

  1. Ótima matéria Sitta !! O Márcio é lá da cidade do meu pai, é muito conhecido da família. Estão de parabéns pelos vinhos produzidos!
    Inclusive, a agência do meu pai tem trabalhado nesta pandemia de forma a fazer um roteiro gastronômico nesta região, passando por vinícolas, laticínios (queijos especiais), e azeites especiais.
    Grande abraço !

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