Por Renato Nahas
Eu confesso que gostaria de ter um aplicativo capaz de filmar a reação de cada leitor ao se deparar com o título desse post. Aposto que maioria iria torcer o nariz.
Sim, vamos falar de Lambrusco. E sim, o Lambrusco é aquele vinho que encontramos em supermercados, geralmente doces, frizzantes, “baratinhos” e de qualidade duvidosa.
Mas espero que o termo “injustiçado”, que foi intencionalmente utilizado no título, desperte a curiosidade e não faça os seguidores do VaoCubo desistirem da leitura. Afinal, como todos sabemos, o nosso amigo Rodrigo Sitta é um editor cuidadoso e muito criterioso, que sempre seleciona bem os temas abordados no blog. E deve haver um bom motivo para ele ter aprovado este.
Os vinhos de Lambrusco vão muito além dos vinhos de baixa qualidade. Há uma categoria, que iremos explorar nas próximas linhas, que atraem fiéis consumidores italianos. Numa região de riquíssima tradição gastronômica, o Lambrusco é considerado um dos pares ideais na harmonização com algumas iguarias locais. Dito isso, vale sim meu caro leitor, conhecer melhor o Lambrusco. Então, vamos lá !
O Distrito de Lambrusco

O termo “Terre dei Lambruschi” (Terra do Lambrusco) é geralmente utilizado para definir o território localizado nos arredores das cidades de Reggio-Emilia, e Modena, na Província de Emilia-Romagna no norte da Itália, a origem desse vinho.
O Lambrusco é produzido com uvas tintas e se caracteriza pela baixa espumatização (frizzante). Tradicionais nessa área, contam com grande prestígio entre os consumidores locais, bem como em toda Itália. É dessa categoria de Lambrusco, aquela considerada de maior qualidade, que iremos tratar aqui.
Os Estilos de Lambrusco
Há dois estilos de Lambrusco. O clássico, que será o objeto de aprofundamento nesse post e um outro, surgido nas décadas de 1970 e 80.
Esse segundo estilo prejudicou enormemente a imagem desse vinho no mercado internacional. Majoritariamente produzidos por cooperativas, e em larga escala, caracterizam-se por baixo teor de álcool, doçura marcante e baixa efervescência (frizzante). Nos Estados Unidos, onde há um enorme interesse do consumidor por vinhos com tais características, esse estilo se tornou um enorme sucesso comercial, assim como na Alemanha. Infelizmente no Brasil, guardada as proporções, repete-se o mesmo fenômeno.
O Lambrusco ClássicO
Mas vamos ao que nos interessa. Esse estilo, não a toa conhecido como clássico, é o mais tradicional, de melhor reputação e, como não poderia ser diferente, o mais consumido localmente. Aliás, o melhores Lambruscos são majoritariamente consumidos na Itália. Apenas uma pequena parte é exportada.
O Lambrusco clássico se caracteriza pela formação de uma espuma rosa na taça quando é servido. Ele é na maioria das vezes seco, podendo apresentar uma ponta de açúcar residual no final.
Apresenta uma acidez refrescante. Isso diferencia completamente do outro estilo, marcado nitidamente pela doçura. O clássico costuma apresentar aromas vibrantes de frutas vermelhas e toques florais. Uma outra descrição recorrente de aroma são notas minerais, apesar desse termo ser bastante controverso no mundo do vinho.
Outra característica marcante entre os estilos é o teor alcoólico. O Lambrusco Clássico apresenta entre 10-12% abv, o que o enquadra numa faixa intermediária. Já os taninos costumam apresentar média intensidade.
Quanto a efervescência, há claramente duas vertentes: frizzante ou espumante, mas a grande maioria é frizzante. O método de produção mais utilizados é o da segunda fermentação em tanques (Charmat). Porém, uma pequena parcela, e de alta gama, pode ser produzida pelo método tradicional ou até mesmo pelo método ancestral.
As uvas do Lambrusco
Lambrusco não é uma uva, mas sim uma família de uvas. Essa família envolve um conjunto de espécies que se enquadram entre as mais antigas entre as castas autóctones da Itália. É tão antiga que não foi possível, até hoje, identificar sua a área exata de origem. Há vários tipos de uvas Lambrusco, todas relacionadas entre elas, mas todas consideradas variedades distintas. Portanto, outra questão importante para se entender o Lambrusco é conhecer qual variedade foi utilizada em sua produção. Geralmente o nome da uva é descrito nos rótulos dos vinhos.
Em comum, os vinhos produzidos por essas variedades, no estilo clássico, apresentam acidez elevada, álcool moderado, aromas de fruta vermelhas e notas florais.
Há 3 variedades de Lambrusco responsáveis pela produção dos melhores vinhos: Lambrusco di Sorbara, Lambrusco Salamino e Lambrusco Grasparossa. Não é a toa que existem 3 Denominacões de Origem (DOC) distintas, uma para cada uma dessas variedades.
Lambrusco di Sorbara DOC
Lambrusco de Sorbara está localizado nos arredores da aldeia de Sorbara e inclui a cidade de Modena. Produz vinhos tintos ou rosés, frizzante ou espumante. Os vinhos são delicados, com aromas fragrantes de fruta vermelhas e violeta. Mostram uma acidez elevada e podem ser secos (os mais distintos), ou então off-dry (com um discreto toque de doçura).
No dia 26 de agosto de 2020 fiz uma pesquisa em diferentes importadoras e lojas online, no Brasil, e não encontrei nenhum exemplar dessa DOC a venda. As importadoras Decanter e Wine.com, que vendiam esse estilo, informavam que o produto estava esgotado. Não é fácil ser enófilo em nosso país!
Lambrusco Grasparossa di Castelvetro DOC

Lambrusco Grasparossa é o nome da uva e, Castelvetro, o nome da cidade em que fica a apelação. Com relação ao estilo, podem ser tintos ou rosé, frizzantes ou espumantes, secos ou off-dry.
Entre os três estilos principais é considerado o mais encorpado, concentrado e estruturado. Mostram uma coloração intensa, elevada acidez e taninos marcantes. Além das frutas vermelhas, trazem também fruta negras e toques florais. Aromas terrosos e balsâmicos são também relatados. Nesse estilo, um discreto açúcar residual é desejável para balancear os taninos e acidez marcantes.
Essa denominação é reputada por produzir o melhor Lambrusco. E é curioso, pois essa uva é a menos típica de toda família Lambrusco, pela sua intensidade de sabores e estrutura. Felizmente é fácil encontrar esse vinho no Brasil. O que provei foi adquirido na Importadora Decanter, o Medici Ermete Bocciolo Lambrusco Graparossa há um mês atrás. Trata-se de um dos mais importantes produtores da região. Acessei o site no dia 26/08 para consultar o preço, porém naquele momento o vinho estava esgotado.
Provei esse vinho com Prosciutto de Parma, salame e mortadela. A harmonização funcionou extraordinariamente bem. A estrutura do vinho e o açúcar residual ficaram perfeitos com esses itens da charcutaria. A literatura sugere que a harmonização com pratos a base de molho branco e parmesão também combinam muito bem com esse estilo. Essa ainda não testei. Se alguém já provou, favor dizer o que achou nos comentários.
LAMBRUSCO SALOMINO DOC
As uvas dessa apelação são cultivadas nos arredores da aldeia de Santa Croce, na área norte de Modena. Também são produzidos como Tintos ou Rosés, espumante ou frizzante e majoritamente secos. Apresenta um estilo intermediário entre os dois anteriores. Há várias opções dessa DOC disponíveis no Brasil.

CONCLUSÃO
Enfim, para aproveitar tudo o que o mundo do vinho tem a nos oferecer é importante lutar contra nossos preconceitos (abaixo o link de um texto que também fala disso). Lembro-me de que a primeira vez que provei um Lambrusco de boa qualidade foi, há alguns anos atrás, numa feira de vinhos, em São Paulo.
+ Cuidado com os Pré-Conceitos; Mais uma Pequena Lição que Aprendi.
Fui convencido a provar por insistência de um Sommelier, que trabalhava como expositor de uma importadora. Lembro-me até hoje que provei um Lambrusco di Sorbara. Minha reação inicial, depois de colocar na boca foi dizer: “mas isso não parece Lambrusco”. E o Sommelier não disse nada, talvez por educação, apenas sorriu. Nem imagino o que deve ter pensado. Mas agradeço-o enormemente por ter me livrado de um preconceito tolo.
E você, já provou um Lambrusco de boa qualidade ?
Quanto conhecimento meu amigo!!! Parabéns!
Uma aula espetacular!!!!
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Muito obrigado Cleo. Mas. depois de provar tem que contar o que achou
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Renato, acho que o tema “vinho injustiçado” poderia ser estendido a algumas outras castas ou tipos de vinhos. Eu mesmo acho que por conta de importações equivocadas, Rieslings e Vinhos Verdes são injustiçados no Brasil e mereceriam ter sua imagem reparada. Você pode se transformar em um paladino da justiça para esses vinhos (rs, rs). Mas no que tange a questão do preconceito, ainda que seja difícil nos desfazermos deles, estou aprendendo muito com você a experimentar mais e ampliar meus horizontes. Obrigado Renato pelo esplêndido artigo.
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Valeu Alexandre. Sim, são muitos os injustiçados. Mas nós, da Liga da Justiça, estamos aqui para acabar com isso …. kkkk a gente arruma cada desculpa para beber ….
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Realmente, um texto para jogar o preconceito no chão. Parabéns, Nahas!
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obrigado Comendador. Grande abraço
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Belo artigo, Renato!! Realmente os lambruscas de extrema qualidade São injustiçados e difíceis de se achar no Brasil. Abraços amigo!!
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Por isso que nosso papel, @ivanrvalejr é falarmos desses vinhos pouco conhecidos. Grande abraço, meu caro !
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Como Tudo que chega ao Brasil, primeiro vem se aproveitando da história e varre o conceito. Excelente artigo, caberá a nós difundir que não vivemos da garrafa azul, mas que tradição fala alto e que qualidade demora a chegar mas quando vem desmonta os aproveitadores. Não posso conceber encontrar bons vinhos em gôndolas de supermercado, a não ser que esteja na Europa. Sugestão ao amigo Sitta apresentar os Lambruscos de bom nível no SWM. Salud
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Que show Renato!! Sou zero preconceito, adoraria provar esse que vc conheceu no evento! Saúde sempre!!
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Alan, eu reparo que a maioria das pessoas, em feiras, buscam sempre os rótulos consagrados. Acho que feiras são ótimas oportunidades para provarmos coisas diferentes. Abração
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Muito boa a matéria, tratou aqui de dois temas ótimos o Lambrusco, tbm só bebei em feira e fiquei encantada, totalmente diferente do que popularizou. E o pré conceito no mundo do vinho, que eu já tive e percebi que estava perdendo muita coisa bacana e conhecimento. Obrigada Renato por compartilhar.🙏
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Bom ponto Walkiria. Repito aqui o comentário que fiz para o Alan:reparo que a maioria das pessoas, em feiras, buscam sempre os rótulos consagrados. Acho que feiras são ótimas oportunidades para provarmos coisas diferentes. Chance única, pois o risco é baixíssimo. Abração
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Parabéns Renato! Confesso que tinha o mesmo preconceito. Conheci esse conceito “clássico” do Lambrusco com o Sauro Scarabotta do Restaurativa Fricó di Frango, no bairro do Paraíso (que infelizmente fechou). Ele produzia excelentes embutidos e sempre indicava um Lambrusco. A harmonização era realmente ótima. Me lembro depois de ter comprado umas boas garrafas no Eataly…há uns 3 anos… chamado “Concerto Lambrusco – Medici Ermete” Seu artigo me fez relembrar essas boas experiências. E desejar repetí-las! Obrigado
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Que legal seu comentário Gleyson. Valeu !
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