Por Renato Nahas
Num papo com o Rodrigo Sitta, outro dia, falávamos sobre os vinhos da Nova Zelândia. Papo bom, afinal o interlocutor e o tema são para lá de agradáveis. E aí me inspirei a fazer um post, sobre os vinhos desse país encantador, relembrando um tour que fiz por lá em 2018.
Nesses tempos tão malucos que estamos vivendo, podem até nos impedir de viajar, mas ninguém poderá nos impedir de viajar em nossas lembranças

Uma jovem nação
Muitos costumam associar a Nova Zelândia com a Austrália. Apesar da Austrália ser a grande nação próxima e ambas terem sido colonizadas pela Coroa Britânica, vale lembrar que mais de mil milhas marítimas separam um país do outro, além de diferenças sociais importantes, decorrentes dos processos de colonizações distintas. E, por um capricho da natureza, a direção das correntes marítimas, tornou a Nova Zelândia inacessível por vários séculos, pois para chegar lá os barcos movidos pelo vento eram obrigados a percorrer uma trajetória tortuosa, tornando a distância ainda maior do que já seria normalmente.
Apesar de algumas incursões isoladas, apenas no século 19 os ingleses empreenderam uma iniciativa organizada de ocupação do território. A ilha já era habitada há vários séculos por povos oriundos de ilhas do pacífico, predominantemente os Maoris. Missionários ingleses chegaram em 1814 e, junto com eles, chegou o vinho. Em 1863 foi fundada a primeira vinícola.
Até a década de 1960 os vinhos produzidos eram baseados em uva híbridas, geralmente “chapitalizados” (era colocado açúcar no mosto) e adicionado 25% de água. Não era de se esperar vinhos de qualidade produzidos assim. E não é a toa que nessa época não havia nenhuma referência no mercado internacional ao vinhos neozelandeses. Uma outra curiosidade é que a segunda uva mais plantada era a Palomino, a uva que produz o Jerez, pois localmente era produzido vinho fortificado e que tentava imitar o consagrado vinho espanhol.
O boom do vinho na década de 1980

A evolução da área cultivada nas regiões da NZ é espantosa. E o gráfico acima ilustra perfeitamente. A bola vermelha, na figura, representa o tamanho da área cultivada em hectares. Reparem como até a década de 1970 só havia cultivo de uvas viníferas na ilha norte. De repente, a parte norte da Ilha Sul, a região de Marlborough, do nada, tornou-se a maior região produtora do país, a partir de meados da década de 1990.
Vale ressaltar que hoje repondem por cerca de 63% de toda área plantada no país. Outro detalhe importante, a maior parte da área plantada em Marlborough é dedicada a Sauvignon Blanc. A figura abaixo mostra o os dados oficiais da distribuição das uvas viníferas cultivadas no país em 2018.

1984, o ano que a Sauvignon Blanc foi apresentada ao mundo
O mundo foi surpreendido em 1984, numa degustação organizada em Londres, com um novo estilo de Sauvignon Blanc produzido pela Nova Zelândia. Vale dizer que até então o estilo consagrado da Sauvignon Blanc eram os vinhos produzidos no Vale do Loire (Sancerre e Pouilly-Fummé) e Bordeaux (geralmente num blend com Semillon). Tais vinhos eram geralmente fermentados em madeiras (antigas) e eram relativamente mais encorpados e com perfil aromático distinto do que a Nova Zelândia apresentava naquele momento ao mundo.
Aqui vale um “parêntese”. Como grande produtor de leite, a Nova Zelândia contava com uma ampla oferta de tanques de aço inoxidável, fartamente utilizada no beneficiamento do leite e derivados. E, sem condições de fazer investimentos nas caras barricas de madeira, abusou da fermentação em tanques com temperatura controlada e obtendo resultados surpreendentes.
Aliado ao clima frio (mas com elevada insolação, que garante o adequado amadurecimento das uvas) o resultado foi um novo estilo de Sauvignon Blanc, que hoje é amplamente disseminado no Novo Mundo como, por exemplo, no Chile. Nesse novo estilo, a acidez é marcante, assim como a explosão aromática intensa de frutas, caracterizadas pela fragrância e nitidez.
Essa pode ser considerado principal gatilho para a pequena Nova Zelândia ocupar um lugar no ranking dos dez maiores exportadores em volume e valor, hoje em dia.
Mas nem só de Sauvignon Blanc vive a Nova Zelândia
Apesar dos dados oficiais de 2018 (vide quadro acima) indicarem que a Sauvignon Blanc representa mais de 60% da área cultivada, há muitas outras uvas que se destacam no país.
Muitos consideram (eu entre eles) que a Nova Zelândia produz os melhores vinhos feitos com a Pinot Noir fora da Borgonha (sorry, mas com a Borgonha não dá para competir). Duas regiões se destacam: Martinborough e Central Otago. A importadora Premium trás o ótimo Ata Rangi ao Brasil de Martinborough. Já de Central Otago, vale a pena conhecer o Felton Roads (Importadora Mistral) e o Rippon (novamente na Importadora Premium).
Hawke’s Bay, na ilha norte é outra região muito interessante. É uma planície densamente plantada. Gimblet Gravel, um solo pedregoso de clima árido produz os vinhos mais distinto, especialmente os tintos de corte bordalês. Dentre eles, vale citar o Gimblet Gravels Sophia, da vinícola Craggy Range, que é distribuído no Brasil pela importadora Decanter.
A belíssima e ensolarada região situada em torno da cidade de Nelson (não a toa conhecida como Sunny Nelson) é localizada próxima ao oceano, o que ajuda a moderar o clima. Essas características, aliada a topografia que protege a área dos ventos fortes contribuem para maturidade da fruta e se traduz num vinho com uma fruta de rara pureza. O Sauvignon Blanc de Nelson é mais restrito e elegante. Produz ótimos Pinot Noir, perfumados, com taninos finos e maduros, complexos e elegantes. Mas o grande destaque de Nelson são os vinhos com base nas uvas aromáticas (Riesling e Gewurztraminer) que mostram acidez balanceada e ricos em aromas. No Brasil, a Premium representa a Neudorf Vineyards, uma das melhores vinícolas da área.
Que tal sair do lugar comum ?
É cada vez mais difícil encontrar vinhos da Nova Zelândia no país. Com tristeza constatamos que o mercado de importados no Brasil caminha cada vez mais para concentrar o volume num número menor de países. Nesse cenário, assistimos a países produtores, como a Nova Zelândia perderem cada vez mais espaço.
Mas a Nova Zelândia, um país distante e relativamente pouco conhecido entre nós, possui atributos capazes de encantar os amantes do vinho e oferece uma oportunidade para fugirmos do lugar comum. Um brinde a Nova Zelândia !!!!!
Nahas, como sempre, um artigo abrangente, que enfoca história, geografia e produção de vinhos. Tenho tremenda vontade de conhecer a Nova Zelândia. Quando trabalhei na Cargill, recebi um neozelendês que mostrava por que o país é espetacular: você está lá nos picos nevados e, em um piscar de olhos, na praia. Falando de vinhos, sou fã dos SB do país. Alguns tendem a apresentar excesso de frutas, mas, quando são equilibrados, tornam-se espetaculares. Parabéns, mestre!
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Obrigado meu caro “Comendador”. E concordo integralmente com os comentários de seus colegas da Cargill. NZ é um destino incrível. Um grande abraço !
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Nahas, belíssima matéria! Parabéns! Rica nos detalhes. Também sou fã dos SB neozelandeses. No final do ano passado, provei um Shiraz e um Pinot Noir maravilhosos, trazidos por um primo que mora lá. Aliás tenho um primo e quatro sobrinhos que moram na Nova Zelândia. Estão sempre mandando fotos de rótulos que nunca ouvi falar. Tenho vontade de conhecer o país, sua cultura e seus vinhedos. Obrigado por compartilhar essa experiência rica e empolgante!
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Mas que sorte a sua ter essa fonte de suprimento dos vinhos de lá. Por aqui eles estão cada vez mais escassos. O mais comum, quando procuramos no site das importadoras é encontrar rótulos “Sem Estoque”. Obrigado pelas palavras tão gentis. Em breve vamos poder voltar a degustar juntos. Grande abraço !
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Mestre Renato, que artigo sensacional. A gente começa a ler e não quer parar mais. Sou fã dos vinhos da Nova Zelândia e muito aprendi com você. Infelizmente não tive a felicidade de conhecer esse maravilhoso país, mas quem sabe um dia. Um amigo em comum nosso diz que alugar um Motorhome e atravessa-lo de Norte a Sul é uma experiência incrível. Quanto aos vinhos, eu recomendaria também provarem os vinhos da Stonyridge, em especial o Larose, que um blend bordalês mas produzido na ilha sul. Obrigado por compartilhar tanto conhecimento conosco, Mestre!! E parabéns por mais esse belo texto.
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Muito obrigado, meu caro Mazon. Você é sempre muito gentil. E tem toda razão. Como pude esquecer o Larosse da Stonyridge. Obrigado por lembrar. Ele vale sim entrar em qualquer lista que se faça. Um grande abraço.
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Muito bom aprender com quem sabe. Obrigada Renato Nahas pela matéria e Sitta por divulgar.
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Obrigado Valéria. Por acaso você é irmão do Eder ?
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Parabéns pelos comentários e história. Muito bom
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Muito obrigado. Abração !
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Belíssimo artigo, como não podia deixar de ser. Parabéns Mestre Nahas pelo conhecimento e compartilhá-lo conosco. A Nova Zelândia tem uma história fantástica no mundo do vinho. Grandes vinhos surgem por lá e merecem toda a nossa atenção. Forte abraço e sucesso.
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Obrigado pelas palavras tão gentis, mas o Mestre aqui é você. Um grande abraço !!!!
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Renatão, só agora tive tempo de ler este belo artigo, pena não ter viajado com vc em 2018. Que saudades da NZ, do povo Kiwi, dos Cordeiros em Christchurch e principalmente de Waiheke Island, a Ilha da fantasia de todo enófilo, com suas Vinícolas e belos restaurantes, inclusive a Vinicola Stonyridge (citada pelo Mazon) e seu Restaurante, estão estabelecidos na Ilha!! Parabéns e um forte abraço!!!
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Valeu Ricardo, isso mesmo. Foi um grande erro não ter citado o Laroso da Stonyridge Vineyard da Waiheke Island. Mas o Mestre Mazon, que sabe tudo, assim como vc, não deixaram passar batido. Um forte abraço e espero podermos nos ver em breve !
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