Chianti, Duas Apelações e Vinhos Diferentes

Por Renato Nahas

Chianti é o nome usado para designar tanto uma área geográfica, na região central da Toscana, como também um dos mais conhecidos e exportados vinhos italianos.


Colinas da região vinícolas da Toscana

Porém, a região vinícola do Chianti compreende áreas distintas que, por sua vez, produzem vinhos bastantes diferentes. Para complicar, existem duas apelações que compartilham o mesmo nome: Chianti Classico DOCG e Chianti DOC. Achou confuso? Bem-vindo à Itália.

O objetivo deste artigo é mostrar a diferença dessas duas apelações e buscar entender melhor esse estilo. Afinal, numa área que produz vinhos tão heterogêneos, o conhecimento é o melhor caminho para fugir de armadilhas.

Um pouco de história

O cultivo de uva e produção de vinhos na península itálica tem uma longa tradição. Etruscos no Norte e Gregos, no Sul, deram o pontapé inicial. Quando Roma conquistou toda a região e formou o que ficou conhecido como “o maior império do mundo ocidental”, o vinho foi levado para as inúmeras províncias romanas, abrindo novas frentes para produção e consumo. Mas, a ruína do Império Romano no século V foi dramática, seguida da invasão de povos nórdicos e início da “Era das Trevas”, como ficou conhecida a Idade Média. Nesse período, o protagonismo dos vinhos italianos foi perdido e abriu espaço para outras regiões. A península itálica se fechou e foi fragmentada em várias unidades políticas autônomas.

A partir do século XII, várias povoações da Toscana se organizaram em comunas, criando as chamadas “cidades estados”, que eram unidades políticas independentes. Florença e Siena logo se destacaram como potências poderosas e rivais. E foi nos arredores delas que surgiu o Chianti.

Há registro da ligação de famílias poderosas da região com o vinho desde o século XII. Nomes de famílias como Riscasoli, Frescobaldi e Antionori se envolveram na produção e comercialização de vinhos desde então.

Em 1716, o Duque da Toscana, Cosimo III, editou um decreto para proteger os vinhos da região. O “Bando” (decreto) delimitou as fronteiras geográficas de Chianti, Pombino, Carmignano e Vale d’Arno di Sopra. É essa a origem da região conhecida como “Chianti Storico”, que hoje corresponde a área do Chianti DOCG.

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As uvas do Chianti

Nos séculos XVII e XVIII, os registros indicam que os Chianti eram produzidos predominantemente com a variedade Canaiolo. Na primeira metade do século XIX, o Barão Bettino Ricasoli iniciou experimentos com outras uvas, no Castello di Brolio.

Castelo di Brolio

Após anos de experimento, o Barão se convenceu de que o blend deveria ter como protagonista a Sangiovese. Em 1872 ele formalizou a fórmula com 70% Sangiovese, 15% Canaiolo Nero e 15% de Malvasia.

Ao longo do tempo, porém, os produtores passaram a substituir a Malvasia por uma outra variedade, mais produtiva e de menor qualidade, a Trebbiano. O resultado foi um Chianti mais diluído e que alterou significativamente o vinho.

Os reveses do sucesso comercial

Durante o século XIX e primeira metade do século XX, a demanda pelo Chianti superou a oferta. Vinhos produzidos com as mesmas uvas, mas fora da região delimitada do “Chianti Storico” eram comercializados como Chianti, ou identificados como “vino all’uso di Chianti”, ou vinhos “ao estilo de Chianti”

Em 1924, um grupo de 33 produtores da área histórica se reuniram com o objetivo de proteger a marca e elegeram o Gallo Nero como símbolo. Nascia o primeiro “consorzio” de produtores da Itália


Gallo Nero, símbolo escolhido em 1924 para representar o Chianti

Em 1932 o governo italiano definiu as fronteiras da apelação Chianti. E para surpresa geral, e revolta dos produtores inseridos na região histórica, a área original foi ampliando e passou a incorporar os terrenos vizinhos.

Apenas em 1996 isso foi corrigido, com o Chianti Classico ganhando uma apelação independente, o Chianti Classico DOCG. O Consorzio imediatamente introduziu regras rígidas de produção e pela primeira vez permitiu a produção de vinhos 100% Sangiovese. Em 2006 as variedades brancas, que já não vinham sendo utilizadas, foram definitivamente banidas.

Chianti Classico DOCG

Essa apelação reúne algum dos melhores vinhos da Itália. De forma geral, os vinhos produzidos nos terrenos de maior altitude tendem a ser mais elegantes, com mais intensidade aromática, acidez elevada e boa carga tânica.

São produzidos com um mínimo de 80% de Sangiovese e um máximo de 20% de uma ampla gama de variedades, incluindo nativas da Toscana e as chamadas castas internacionais, como a Cabernet Sauvignon e Merlot. Há 3 categorias de Chianti Classico, sendo o Gran Selezione o topo da pirâmide em termos de qualidade.

Categorias do Chianti Clássico

Chianti DOCG

Essa apelação cobre uma grande área em volta do Chianti Classico. Inclui sete diferentes subzonas que tem o nome adicionado depois da palavra Chianti no rótulo (por exemplo Chianti Colli Senesi DOCG). Quando é produzido com uvas oriundas de diferentes subzonas leva apenas o nome Chianti DOCG.

Dada a heterogeneidade da área é fundamental conhecer a origem das uvas. São sete subzonas com estilos e qualidades diversas. Rufina, Colli Senesi e Colli Fiorentini são consideradas as mais distintas.

Quanto às variedades, a denominação exige um mínimo de 70% Sangiovese e o restante complementado por uma ampla gama de castas tintas nativas e internacionais.

O mesmo nome e vários estilos

Como apresentado, Chianti é o nome de duas apelações diferentes. A simples adição do nome “Clássico” pode criar uma enorme confusão na cabeça do consumidor desavisado.

Uma rápida consulta nos sites das importadoras no Brasil, em maio de 2021 e sem a pretensão de ser conclusivo, mostrou que é possível encontrar um Chianti vendido pelo preço de R$ 2.010,04 (Vignetto BellaVista 2011 do Castello di Ama na Importadora Mistral), até um outro por R$ 59,99.

Como sempre, o conhecimento é fundamental para orientar boas decisões. E quanto mais confuso, maior a possibilidade de encontrarmos bons achados. O prazer que um bom Chianti pode oferecer certamente compensará o esforço.

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Renato Nahas é Sommelier formado pela ABS-SP e Professor nos cursos de Introdução ao Mundo de Vinho e Formação de Sommelier Profissional na ABS-Campinas. Obteve a Certificação Master Level em Borgonha, pela WSG, além da  FWS, CSW e WSET3. Além disso é Formador Homologado de Jerez.

12 comentários em “Chianti, Duas Apelações e Vinhos Diferentes

  1. Belo artigo Renato. Ajudou a entender um pouco melhor essa questão sobre o Chianti. Mas só reforça a necessidade de se conhecer bem o produtor, pois a heterogeneidade é tremenda.

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  2. Ótimo texto, muito esclarecedor. Mais do que oportuno porque, entrando o frio nas regiões Sul e Sudeste, boa parte dos pratos leva pomodoro: pizzas, pastas, polpetones, panquecas etc. E nada melhor para harmonizar com eles do que um bom Chianti. Mais um ponto: a Gran Selezione é relativamente nova. Foi criada em 2014. Mas, fui presenteado pelo amigo Edson Zveibl com um Fonterutoli espetacular, que era da safra de 2008. Parece-me que os vinhos de safras anteriores a 2014 que preenchiam as exigências da nova denominação puderam utilizá-la

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    1. Muito obrigado, Comendador. Sem dúvida o Chianti é um ótimo acompanhamento para os pratos citados.
      O Fonterutoli é realmente espetacular. Nosso amigo Edson Zveibl tem um bom gosto incrível !
      Sim, os vinhos tops preenchiam todos os requisitos do Gran Selezione antes dessa categoria ter sido criada. E ela foi criada exatamente para “honrar” os grandes vinhos produzidos por lá.
      Abração

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  3. Mais um artigo sensacional desse nosso Mestre Renato. Sempre um conteúdo com muita informação e conhecimento. Sou fã dos Chianti Classico e gosto muito dos Chianti das sub-zonas de Rúfina e Colli Senesi. Parabéns, Mestre Renato!! E obrigado por sempre compartilhar esse vasto conhecimento.

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  4. Muito bom o texto, que dá muita vontade de aprofundar mais na Itália. Eu confesso que sou bem leigo ainda no conhecimento de vinhos desse país, e que me incomoda até certo ponto não conhecer, pois ainda não tive nenhum Sangiovese (seja Chianti ou mesmo Brunello) que me emocionasse (tomei apenas 5 rótulos); particularmente acho muito adistringente e com pouca fruta. Ou ainda não tenho maturidade, ou não é o meu tipo de vinho, porém artigos bem escritos como esse me da vontade de fazer um macarrão e descorchar um sangiovese!

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  5. Sangiovesi é a uva mais plantada na Itália, Marcéu. E a produção italiana é marcada pela heterogeneidade. Há muita coisa boa, outras nem tanto. Recomendo demais que vc prove os bons Sangioveses. Sua vida de enófilo, com certeza, estará mais plena. abração

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