Por Ivan Ribeiro
Um assunto que está muito evidenciado atualmente, com a busca de qualidade de vida, são os vinhos mais saudáveis, preservando suas características, mas sem que tenhamos agressões ao meio ambiente e na produção dos vinhos e cultivo das vinhas, acaba de ganhar um reforço grandioso com a presença do renomado Fernando Zamora, que foi nomeado Presidente da Comissão de Enologia da Organização Internacional da Vinho e do Vinho. E ele já chega com o seguinte discurso: “Da OIV trabalhamos para fazer vinhos bons, saudáveis e naturais.”
Esse é um assunto que, por vezes, causa uma série de dúvidas, incertezas e questionamentos. Mas que tem sido uma tendência no mundo do vinho. A busca por vinhos mais puristas, com pouca intervenção, aceitando o que a uva está nos ofertando e trabalhar com ela a melhor qualidade e melhor rendimento possível.
Como bem disse Isabela Peregrino, em uma live que fizemos recentemente: “eu procuro entender o que a uva está me dando”. Nesse sentido, o próprio Humberto Conti , da Villaggio Conti, que não realiza filtragem dos seus vinhos, na busca de mínima intervenção possível. Bem como, outras tantas vinícolas que pregam e buscam pela preservação e exploração das uvas sem tanta intervenção, como são os casos da Miolo (que detêm o selo de The Vegan Society), a Casa Perini (que é denominada, amiga do Veganismo), a Valparaíso (que inovou com o método de Sistema de Produção Protegido, possibilitando que suas uvas tenham altíssima sanidade e com maturação adequada, potencializando as características enológicas das variedades trabalhadas nos vinhedos). Além de toda a corrente de mínima intervenção, que vem crescendo no mundo todo.
Um dos questionamentos, inclusive, vem sobre a utilização ou não do SO2. E sobre esse assunto, tem que se questionado os resultados ou não da utilização do sulfito em razão do aumento do PH dos vinhos. Como exemplo temos o que vem ocorrendo em Ribera Del Duero, onde o PH dos vinhos era em torno de 3,5 ou 3,6 (índice dos últimos 30 anos) e agora está acima dos 4. Índice que o sulfito não age tão bem, dentro dos limites permitidos atualmente, e vai exigir que sejam estabelecidos novos parâmetros para regulação de tais quantidades utilizadas.
Todas essas normas e determinações, que implicam em alterações no mundo da viticultura e do vinho no mundo, devem ser reguladas pela OIV através de suas comissões, já que são órgãos técnicos e com pessoas competentes para estabelecer as regras e determinações sobre os diversos assuntos. Evitando-se que sejam acatadas solicitações como a de adicionar ácidos minerais aos vinhos para aumentar a acidez dos mesmos e reduzir o PH, o que foi devidamente rechaçado pela Comissão.
Da mesma forma, sobre a utilização de ácidos para tais fins, já existem estudos em andamento para utilização de outros tipos de ácidos, como o ácido fumárico (que é um ácido já presente no corpo humano, sendo um produto natural e isento de riscos, um inibidor das bactérias do ácido láctico e que pode reduzir as doses de dióxido de enxofre no processo de vinificação, sem comprometer a qualidade do produto) ou processo de eletrodiálise, que também vem sendo testado.
Assim, a busca pela mínima intervenção vai desde a utilização da produção dos vinhos como os elementos utilizados na condução das vinhas. Inclusive nos tratamentos contra pragas, doenças e demais situações, nas quais devem ser utilizados elementos que não agridam o meio ambiente e que não tenham intervenção animal, no caso dos vinhos veganos.
Dentro dessas linhas, os vinhos naturais e com mínimas intervenções, trabalham com colheita manual, utilização de leveduras selvagens, sem prensagem, e nem utilização de clarificantes como: albumiina (clara de ovo), caseína (proteína do leite), gelatina (de origem bovina ou suína), cola e óleo de peixe e quitina (produto derivado da casca dos crustáceos), valendo-se da clarificação natural e sem filtragem.
No caso dos vinhos naturais, os produtores vêm utilizando tanto o processo de decantação, ou a betonita, que é um clarificador extraído da argila, ou, ainda, a proteína extraída da ervilha. São clarificantes naturais e permitidos nos processos de mínima intervenção. Nesse sentido, inclusive, tem acontecido estudos para utilização de clarificantes feitos pela proteína extraída da semente da uva e o outro da própria Saccharomyces cerevisiae que é encontrada na própria vinha. Além da não utilização de ceras para lacrar as garrafas ou rolhas aglomeradas, já que na cola tem base de leite e o leite vem de origem animal.
Quanto a não prensagem citada acima e utilização do mosto flor, que é um tipo de processo realizado por algumas vinícolas, significa que as uvas não são prensadas e que são utilizados os primeiros vinhos obtidos após a passagem dos cachos da uva pela desengaçadeira. Utilizando a parte mais nobre da produção dos vinhos. Já que não passará pela prensagem que seria exatamente o processo de extração de líquido – mosto ou vinho de prensa – através da pressão exercida sobre os bagos (no caso da vinificação de brancos ou roses) ou massas (mistura de películas e grainhas, no caso da vinificação em tintos).
Todos esses processos estão dentro de uma filosofia de mínima intervenção para o máximo potencial da uva, extraindo tudo que a uva pode nos dar, sem que o homem interfira tanto em seus resultados. A vinificação é feita utilizando apenas o mosto flor, sem passagem em barrica, utilizando o processo de decantação natural para separar as borras do líquido.
São procedimentos que levam ao conceito dos vinhos puristas, dentro da linha do veganismo ou naturais. Vinhos que não utilizam a intervenção animal em nenhum dos seus procedimentos ou produção.
Assim, seja da forma e elementos do veganismo, seja da utilização dos próprios elementos que a natureza proporciona, como as leveduras selvagens, os vinhos veganos e puristas seguem essa linha de mínima intervenção na sua produção. As leveduras selvagens, geralmente utilizadas, são as encontradas nos próprios frutos que durante o processo da fermentação, dominam e criam compostos químicos que podem ser interessantes ao vinho e, concomitantemente, o açúcar vai sendo transformado em álcool (as leveduras chamadas de não Saccharomyces como por exemplo Pichia, Kluyveromyces, Candida, Kloeckera, Hanseniaspora, Rhodotorula).
No entanto essas leveduras não sobrevivem por longo tempo na presença de certa quantidade de álcool, ficando invativadas quando se atingem algo em torno de 4% de álcool. Nesse momento importante que entra em cena uma grande protagonista da fermentação alcoólica que é a Saccharomyces cerevisae, uma levedura encontrada também nas vinhas, e que entram em ação após a inatividade das demais leveduras e continua o processo de fermentação até o fim.
O grande problema de alguns produtores é que todo esse processo de fermentação natural acabe por dar margem de aparecimento de outras espécies ou bactérias que venham à produzir aromas e sabores desagradáveis no vinho. Fatores que podem ser minimizados com o uso de conservante (à base de enxofre) ou outras formas naturais, como por exemplo uvas de qualidade exemplar, havendo inclusive os produtores que defendem a utilização de leveduras indígenas, que são típicas do local, fazendo parte do terroir e enquadrando nesse conceito macro.
Contudo, os principais desafios enológicos do setor vitivinícola são, neste momento, as alterações climáticas e a redução dos sulfitos, visto que que as alterações climáticas tem comprometido a produção dos vinhos. E, como sabemos, os vinhos começam desde do seu cultivo nas vinhas até chegar na garrafa. São processos interligados. Então devemos buscar cuidar das vinhas, sem tanta ação e reduzindo a utilização de produtos fitossanitários, ou eliminando-os. Nesse sentido, inclusive, temos que as culturas orgânicas e biodinâmicas só podem usar sais de enxofre e cobre, o que deve ser diminuído e atribuído novos limites para utilização dos mesmos pela União Europeia.
Assim, a busca sempre será para engajar alternativas cada vez menos agressivas ao corpo e aos vinhos e vinhas. Modais, como a alteração da queima das barricas com discos de enxofre para eliminar as bactérias, para utilização de ozônio nessa queima, que vai dar o mesmo resultado e ainda contribuirá com a emissão de oxigênio, sendo benéfica para o mundo todo, devem ser adotadas em breve pela OIV e passarem a ser utilizadas por todos.
São desafios da enologia, da viticultura e do mundo do vinho que devem ser enfrentados com maestria e sabedoria para combater, com soluções saudáveis, seguras e ecologicamente corretas.
Esses são alguns dos métodos utilizados nos vinhos puristas e com mínima intervenção, que tem sido uma grande inovação e com mercado extremamente crescente nesse contexto. Inovações que vão beneficiar ao mundo do vinho. Até porque, o vinho vegano ou purista, de forma resumida, seria o vinho sem intervenção animal de qualquer espécie. Desde a colheita, passando pelo processo de vinificação, clareamento, engarrafamento e lacres das garrafas. Normas e regras determinadas pelos institutos ligados ao Veganismo no mundo traçam esses limites para que sejam cumpridos pelas Vinícolas que buscam a certificação e utilização dos selos do Vegan Society.
Ivan Ribeiro do Vale Junior.
Advogado / Sommelier / Professor / Escritor
WSET / ISG / FACSUL / UFRGS
@duvalewinetasting
Muito bom o artigo, gostei👏👏🥂🥂
CurtirCurtido por 1 pessoa