No Meio do Caminho Tinha um Barolo

Por Renato Nahas

O grande poeta Carlos Drumond de Andrade que me perdoe. Mas tive que recorrer a ele para expressar a emoção de provar juntos 5 Barolos de safras antigas, incluindo um 1971 e outro 1982. E todas com mais de 20 anos, “como recomendam os manuais”.

Esse será o tema desse post, a degustação de Barolo organizada pelo Blog VaoCubo em outubro de 2022.

Os preparativos

Os preparativos para degustar um painel sobre vinhos antigos é sempre muito tenso. Literalmente é impossível prever o que se encontrará em garrafas tão antigas. As opções são binárias. De um lado, o vinho pode ter evoluído bem, ou estar caminhando bem no processo de evolução. Porém, é perfeitamente possível que ele já tenha se deteriorado. Não há como saber. Só sacando a rolha.

Cheguei mais cedo e acompanhei o “comandante” Rodrigo Sitta na empreitada. Todas as garrafas estavam com bom nível de preenchimento antes de serem abertas. Uma vez abertas, as rolhas mostravam o sinal do tempo, mas ainda estavam íntegras. O Sitta respirou aliviado. O primeiro obstáculo foi superado.

Os vinhos foram então decantados. Lembrando que há uma diferença entre aerar e decantar. A decantação ocorre momentos antes do vinho ser servido. É feita apenas para que as borras não sejam despejadas nas taças. Como cuidado prévio, o Sitta manteve as garrafas “de pé” por duas semanas.

Algumas informações sobre Barolo

Muitos comparam Barolo com Borgonha. Acho um exagero. Mas, há sim algumas semelhanças.

As duas regiões produzem vinhos varietais, isto é, usando apenas uma variedade de uva. A Pinot Noir (PN) na Borgonha e a Nebbiolo em Barolo. Ambas são consideradas uvas “temperamentais”. Exigem condições especiais para amadurecerem e raramente se expressam bem fora de seus locais de origem. Apesar de existirem bons Pinot Noir espalhado pelo mundo, nada se compara a um Borgonha. Já a Nebbiolo é ainda mais “bairrista”. Fora do Piemonte, apenas a vizinha Lombardia produz vinhos com essa variedade que mereçam algum destaque.

O solo da Borgonha é conhecido pela variedade, e qualidade. Já em Barolo existem duas áreas completamente distintas do ponto de vista geológico e que produzem vinhos com características próprias.

As 2 formações geológicas de Barolo e o impacto nos vinhos

Por fim, nas duas regiões há o conceito de vinhedo único. Na Borgonha esse conceito está sedimentado há séculos e é mais consolidado. Há uma hierarquia de vinhedos que é claramente compreendida pelo enófilo iniciado. Já em Barolo o mapeamento de vinhedos únicos foi iniciado no século passado. Vale lembrar que até meados do século 19 era um vinho doce !!!

Mapa dos vinhedos de Barolo

Como podemos observar são vários os vinhedos em Barolo, refletindo a complexidade da área. Sem uma classificação oficial dos vinhedos, apenas quem pesquisa (e degusta) em profundidade sabe quem é quem por lá. O pobre enófilo iniciante se perde entre tantos nomes.  Dentre os melhores vinhedos de Barolo vale citar: Brunate, Bussia, Cannubi, Cerequio, Francia, Ginestra, Monprivato, Sarmassa e Vigna Rionda.

A degustação, vinho a vinho

Acompanhado por um jantar no restaurante italiano Casa Santo Antonio, o serviço de vinhos foi feito na sequência da idade das safras. Inicialmente as três mais antigas e na sequência as duas mais jovens. Como haviam taças disponíveis, pudemos “guardar” um pouco de cada vinho para provarmos lado a lado os 5 rótulos.

Vinho 1 – Borgogno Riserva 1971

Os trabalhos começaram com um vinho de respeitáveis 51 anos. Isso mesmo, meio século! É um blend de 3 vinhedos: Cannubi, Liste e Fossati. Está na região de formação Helvetian, de onde vem os Barolos mais estruturados e potentes. Vinificado no estilo tradicional.

De cor granada e de baixa intensidade visual, o vinho ainda tinha uma fruta, que estava bastante evoluída, rosa murcha (a famosa rosa de “fim de velório”) e notas de evolução. Boa acidez, taninos finos e já sem fruta no retrogosto. Esse vinho me encantou ao chegar, mas foi perdendo intensidade e “morrer na taça” ao final de duas horas. No ranking do grupo ficou em 4º lugar.

Vinho 2 – Fratelli Barale Vigna Castellero Barolo Riserva 1982

As safras mais recentes desse vinho receberam pontuações elevadas. A 2018 levou 95+ RP. Infelizmente não há avaliações disponíveis para a safra 1982.

Inicialmente o que chamou a atenção foi a cor do vinho, por mais que a iluminação do restaurante não fosse ideal. Em termos relativos mais intensa do que eu esperaria para um Barolo dessa idade. E obviamente com uma grande diferença de cor entre o centro e a borda da taça, mostrando um avantajado halo aquoso. Ainda mostrou uma fruta, naturalmente evoluída e notas de casca de laranja que é tão comum nos Riojas evoluídos. E muitos aromas de evolução, como fundo de bosque e notas animais. E vivo na boca. Com boa acidez, taninos polimerizados e boa profundidade. Originado da área que produz vinhos mais elegantes, conseguiu corresponder na taça a essa expectativa. E ainda com potencial de evolução.

Foi escolhido pelo grupo o vinho da noite. Não foi o meu favorito, mas como o páreo estava duríssimo, não há como contestar a decisão da maioria.

Vinho 3 – Michele Chiarlo Barolo 1990

Esse rótulo aparentemente não é mais produzido. Uma consulta ao site do produtor revelou outros vinhos de Barolo, mas não esse. Apesar de estar em boas condições esse vinho destoou no painel e ficou com o 5º lugar no ranking do grupo.

Vinho 4 – Conterno Fantino Sori Ginestra 1998

Um vinho com pontuação consistente e alta ao longo do tempo. Vem de uma região que produz Barolos mais estruturados. Uvas oriundas de vinhedo único e classificado como “Sori”, que significa estar localizado na área de maior insolação da colina. Com isso as uvas tendem a apresentar um melhor potencial de amadurecimento, o que teoricamente se reflete na qualidade do vinho.

No painel ele pareceu um dos menos evoluídos, com taninos altos e ainda precisando de mais um tempo para atingir o ponto ideal. A fruta ainda está presente e toda a tipicidade que se espera de um Barolo (cereja, rosa, asfalto, grafite e as notas animais de evolução).

Ficou na 3° colocação no ranking do grupo. Pessoalmente esse levou o painel para mim. Talvez por ainda estar em evolução sua posição no ranking foi prejudicada

Vinho 5 – Tenuta Pianpolvere 1997

De uma região de Barolo com estilo mais potente e estruturado, comprovou na taça o estilo. Vem de um produtor renomado e um dos expoentes dos chamados “tradicionalistas”.

Foi o vice-campeão da noite. Se destacou por estar no auge, com as notas tradicionais da fruta, rosa e betume, acrescida de um balsâmico elegante e as esperadas notas de evolução. Uma acidez espetacular, taninos altos, mas polimerizados.  

Resumo da ópera

O painel mostrou claramente que o tempo faz muito bem aos Barolos. São vinhos que envelhecem muito bem e que ganham muito com a guarda. Vale só lembrar que mais recentemente os produtores buscam disponibilizar vinhos capazes de serem apreciados sem demandar as décadas exigidas pelos vinhos desse painel.

Dito tudo isso, não há como concluir esse post se compartilhar a emoção de provar vinhos tão especiais, num estágio de evolução adequado e finalmente, “last but not the least” em companhia tão boa. Foi top demais. Parabéns Sitta pela curadoria e organização do evento.

Renato Nahas é Sommelier formado pela ABS-SP e Professor nos cursos de Introdução ao Mundo de Vinho e Formação de Sommelier Profissional na ABS-Campinas. Obteve a Certificação Master Level em Borgonha, pela WSG, além da  FWS, IWS, SWS, CSW e WSET3. Além disso é Formador Homologado de Jerez.

3 comentários em “No Meio do Caminho Tinha um Barolo

  1. Bela Noite, com bons vinhos e ótimos confrades. Faltou mencionar que Nahas nos proveu com conteúdo prévio, para que a experiência fosse completa. Obrigado Sitta, pela organização do evento e ao Prof. Nahas, pelo show de conteúdo.

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