Por Renato Nahas
Nas mesas das Confrarias e discussões sobre vinho é comum ouvirmos a expressão “Velho ou Novo Mundo” para representar o estilo de um vinho. Mas será que faz mesmo sentido em falar de dois estilos de vinhos distintos? Esse será o tema desse post!
A inspiração para escrever sobre ele veio após um almoço com os grandes amigos Nilson, Mazon e Biral, onde provamos vários e grandes vinhos, dentre eles dois clássicos do chamado “Novo Mundo”, ambos levados generosamente pelo confrade Nilson. Dois vinhos espetaculares, mas de estilos distintos.

A origem dos termos
A origem remonta ao período das grandes navegações. Foi cunhada pelos europeus como forma de diferenciar o mundo que eles conheciam, basicamente a Europa e parte da Ásia e África, dos territórios que foram “descobertos” a partir do século XVI, portanto “Novo Mundo”.
E foi no chamado “Velho Mundo” que o vinho surgiu. Registros apontam que a vitis vinífera, variedade de uva usada na produção de vinhos finos, foi originada na fronteira da Europa com a Ásia, nas proximidades do Mar Cáucaso, numa região em torno de onde estão localizados a Geórgia, Armênia e Azerbaijão. No Museu Nacional da Geórgia está exposto um recipiente de barro com os registros mais antigos de vinho, datado de 4-5 mil anos antes de Cristo. Mas foi com os gregos e, principalmente os romanos, que o vinho foi disseminado e virou parte da cultura e modo de vida europeu.
Como a produção de vinhos na Europa é feita há séculos, num longo processo de “tentativa e erro” os produtores selecionaram as uvas mais adequadas aos seus terrenos, climas e características naturais de onde estão localizados. Além disso desenvolveram técnicas de vinificação próprias. Surge daí o conceito de vinho de um lugar, ou terroir. Na Borgonha não se diz que um tinto é um vinho “Pinot Noir”, mas sim que é um vinho de Gevrey-Chambertin ou de Morey Saint-Denis, que são zonas de produção que muitas vezes se resumem a pequenos vilarejos. O lugar define o estilo do vinho.
Já no chamado “Novo Mundo”, o vinho chegou com os colonizadores. Não existia uva vinífera nesses territórios. Ela foi levada pelos desbravadores que tentavam reproduzir por lá o que era produzido na Europa. De forma geral, pode-se dizer que os vinhos do “Novo Mundo” costumam ser mais versáteis e menos apegados às características clássicas, tendo mais espaço para a ousadia, afinal não seguem tradições e costumes seculares.
Novo & Velho mundo são estilos de vinho?
A produção nas regiões vinícolas do chamado “velho mundo” é regulada por diretrizes específicas. Um vinho só poderá ser rotulado como Gevrey-Chambertin se for produzido com a uva Pinot Noir oriundas de uma zona específica da Borgonha. Raramente a uva, ou a composição das uvas, usadas são descritas no rótulo. Dessa forma, o consumidor, mesmo aqueles com poucos conhecimentos sobre o tema , entende que o vinho produzido na Borgonha é diferente de Bordeaux, que por sua vez são diferentes do Rhône.
Quando o “Novo Mundo” despontou como grande produtor de vinho de qualidade, basicamente na 2ª metade do século XX, não havia um histórico e tradição para “rotular e comunicar” seus vinhos. Na tentativa de buscar uma identificação e uma assinatura, o que se viu foi o uso do nome da uva posicionando os vinhos no mercado internacional. Enquanto na Europa se usa o termo de vinho de Bordeaux, da Rioja, do Douro ou da Borgonha, no Novo Mundo o que se viu foi o Cabernet Sauvignon da Califórnia, a Shiraz da Austrália e a Malbec da Argentina.
Quando se fala de vinhos tintos, os grandes expoentes do “Novo Mundo” foram o “Shiraz da Austrália” e o “Cabernet Sauvignon da Califórnia”. Oriundos de regiões mais quentes, costumavam ser mais alcoólicos, mais extraídos e frutados que os similares europeus. Os efeitos das mudanças no clima impactam esse conceito, mas vamos deixar de lado, por enquanto. Já os vinhos produzidos majoritariamente com a Cabernet Sauvignon no “Velho Mundo”, basicamente Bordeaux, eram vistos como mais elegantes e menos frutados.
Essa é uma generalização que pode ser facilmente confrontada, afinal há lugares no Novo Mundo, com clima mais ameno e que produz vinhos menos frutados e elegantes. Mas não importa, a imagem que ficou foi dos vinhos elegantes e menos frutados de um lado e os alcoólicos e frutados do outro.
E foi assim que durante muito tempo se diferenciou os vinhos do Velho e Novo Mundo.
Stonyridge Larose 2008 versus Dominus 2012
Para começo de conversa e para deixar bem claro: dois vinhaços espetaculares. Estão certamente entre os melhores “cortes bordaleses” do chamado “Novo Mundo”. O Larose oriundo da Nova Zelândia e o Dominus do Napa Valley na Califórnia. Certamente comparáveis aos melhores Grand Crus Classés de Bordeaux.
Essa safra do Dominus foi avaliada pessoalmente pelo Robert M. Parker Jr e levou impressionantes 98 pontos. É exatamente o estilo de vinho adorado por esse crítico. Opulento, eu diria exagerado, com várias camadas de aromas, fruta exuberante, bola de fruta, especiarias. Uma estrutura impressionante e claramente ainda muito jovem. É o arquétipo do que se costumava chamar de vinho do “Novo Mundo”.
Já o Larose 2008 da Stonybridge é também um corte bordalês com predomínio da Cabernet Sauvignon. Já mostrou uma evolução espetacular, com taninos firmes, ótima acidez e notas de cassis, grafite, couro e cedro. É o arquétipo do se costuma chamar de vinho do “Velho Mundo”. Essa safra recebeu 93 pontos do site Robert Parker, tendo sido avaliado pela Lisa Perroti-Brown.
Eu pessoalmente preferi o Larose 2008. Meu gosto pessoal me leva a privilegiar a elegância que encontrei nesse vinho. Enquanto o Larose tem um grau alcoolico de 13,5%, no Dominos é 14,5% e, dada a diferença de preço entre os dois, fiquei muito feliz com minha escolha. Mas, de novo, não há melhor ou pior aqui. São dois vinhos excepcionais e o gosto pessoal é o que define entre um e outro.
Não, não acho que existam estilos de vinho do Velho e Novo Mundo
A prova desses dois vinhos mostrou que não faz mais sentido usar essa classificação. O avanço da vitivinicultura no século XXI foi enorme. Os principais produtores fora do continente europeu evoluíram e particularizaram suas produções. O Shiraz produzido na Australia não representa mais unicamente o estereótipo de “bomba de fruta e álcool elevado”. O vinho de Malbec produzido em Mendoza já não cabe numa única definição.
+ Porque a Uva Syrah Chama Shiraz na Austrália.
E o que fascina e nos atrai no mundo do vinho é exatamente a capacidade da bebida expressar características únicas. Obviamente estamos falando de um nicho representado pelos grandes vinhos, o tipo de vinho que atraí os leitores, de muito bom gosto, do blog VaoCubo .
Texto impecável, como sempre, Mestre Renato. Uma reflexão brilhante, endossada num caso prático. Tive o prazer de estar com vocês nessa prova e, como costumo fazer as avaliações dos vinhos que provo, classifiquei o StonyRidge em 95 pontos e o Dominus em 96, embora já tenha tido experiências anteriores não tão boas com esse último. A pequena diferença veio para mim no peso e riqueza dessa último, enquanto o primeiro, já com boa evolução, prima pela complexidade e elegância. Dois estilos diferentes, mas ambos igualmente impressionantes. Foi um privilégio poder dividir essas garrafas com vocês e agradeço muito ao Nilson pela generosidade. Outra vez, parabéns pelo brilhante texto, pela importância e pertinência da reflexão e muito obrigado aos amigos por um momento de reencontro e generosidade. Esperando pelo próximo!!
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No próximo me chama kkkk
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Olha que vc terá que vir para Campinas ….
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Será uma honra
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obrigado pela experiência incrível de degustarmos e discutirmos juntos. E obrigado pelas palavras tão gentis. Abraço meu Mestre !
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Renato, eu sou de Paulínia! To mais perto que o Sitta!!
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Parabéns Renato pelo belo texto , como sempre descrevendo sobre vinhos com muito conhecimento.
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Valeu Nilsão. Os vinhos estavam maravilhosos, mas muito abaixo do nível da companhia. Abração
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Grande Renato, o melhor de tudo, foi estar com os amigos, claro q degustamos vinhaços, agradeço ao amigo Nilson por compartilhar. Eu, particularmente, sigo Mazon, na escolha do vinho, ambos um “petaculo” (by Mazon). Abs a todos
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Faço minhas suas palavras, Biral. E quanto a preferência, chega um nível que o gosto pessoal é o que desempata o jogo. Abração
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Ótimo artigo, Nahas, focalizando uma questão bastante interessante. Coincidentemente, vi um post de ontem de um de seus companheiros dessa degustação por você citada, o Nilson, que abriu um Chardonnay Cuvée Alexandre Lapostolle, 2007. Lembrei-me de um desafio de prova às cegas muito interessante que o amigo Reynaldo fez, com grandes vinhos brancos de vários países, tanto do chamado Novo Mundo, como do Velho Mundo. A ideia era descobrir a casta e o país produtor. Acertamos que esse Lapostolle era Chardonnay, mas ninguém cravou Chile. Pelo contrário: a maioria indicou a França. Foi o campeão da noite
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Este Cuvée se destacou em várias degustações que participei, alto nível!
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é muito top mesmo Reynaldo. Abração
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Pois é Comendador, o que já teve de “degustador metido a besta” que queimou a língua em degustações a cega não está escrito ….
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Incrível texto Nahas , como sempre , descreve de forma sensacional as experiências de degustação
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E na próxima vez que vc vier a Campinas, espero não encontra-lo “de surpresa” na padaria, mas sim em um de nossos almoços. Abração
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Que bela matéria! Não conhecia esse vinho da NZ, vai para a wish list!
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Valeu Marceu. Vale a pena conhecer o Larose. Abração
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