Por Renato Nahas
Esse tema não é novo aqui no Blog, inclusive já foi o tema de uma série de postagens cujos links estão baixo. Mas é incrível como degustar às cegas, invariavelmente, nos surpreende. E foi o que aconteceu num painel com 5 vinhos Pinot Noir, oriundos de algumas das regiões mais emblemáticas, que tive a honra de organizar e conduzir na ABS-Campinas no dia 09/02/2023.
+ Degustação às Cegas – Parte 1: Uma Viagem pela Essência do Vinho.
+ Degustação às Cegas Parte 3 – O “Intruso” na Degustação ás Cegas.
Nesse post contarei um pouco sobre a Pinot Noir, uma das minhas uvas favoritas, como foi escolhido o painel dos vinhos e uma breve descrição de cada um dos 5 rótulos servidos. E, no final, a grande surpresa: o ranking obtido na votação dos 40 participantes. Importante mencionar que a votação aconteceu às cegas. Ninguém sabia em qual vinho estava votando.

Pinot Noir, a uva temperamental
A origem da Pinot Noir é incerta. Mesmo mapeamentos de DNA foram incapazes de precisar o local exato de sua origem. Mas sua ligação com a Borgonha é muito forte. E não é à toa. Além da longa história dedicada a produção de vinhos com essa variedade de uva, a Borgonha elegeu a Pinot Noir com a única tinta autorizada a produzir os vinhos de suas apelações mais nobres.

E foi na Borgonha que se deu o primeiro registro da PN. Em 1375, Felipe o Audaz, Duque da Borgonha foi visitar Brugges, hoje localizada na Bélgica. Registros dos preparativos da viagem indicam o envio de 25 hectolitros (2500 litros) de vinhos da “Pinot Vermeil”, um dos muitos sinônimos da PN. Chama a atenção que na idade média era muito raro citar o nome da uva usada na produção do vinho. E mostra o zelo secular da região na produção de seus vinhos., ao especificar o tipo de vinho enviado.
A Pinot Noir é conhecida como “temperamental”. E não é por acaso. Com mais de 2.000 anos é uma das variedades mais antigas que até hoje são utilizadas numa escala comercial na produção de vinhos. Por conta disso sofreu inúmeras mutações. E, também, diversos clones espalhados nas diferentes regiões vinícolas. Clones diferentes geram vinhos diferentes, numa maior ou menor escala.
Além disso, seu cultivo exige algumas condições especiais. Ela gosta de clima temperado, mas não é qualquer clima temperado. Exige elevada insolação para atingir uma adequada maturação fenólica. Gosta de solos ricos em calcário e argila. E os solos argilosos precisam conter uma boa composição de ferro, a exemplo do que ocorre na “Côtes des Nuits”, região que produz os melhores vinhos com essa uva no mundo. Em solos arenosos e pobres em calcários tendem a mostrar um caráter mais frutado e com menos acidez. Dada sua maturação precoce, em climas quentes os vinhos mostram uma fruta madura e passificada.
Ou seja, apesar de ter seu cultivo bastante disseminado, não é toda região que reúne as condições adequadas. Além disso as exigências listadas acima para uma adequada maturação colaboram fortemente para o estilo heterogêneo dos vinhos, agravada pela variação decorrente do clone utilizado. Enfim, é quase que impossível estabelecer um único estilo de vinho produzido com a Pinot Noir.
Como foi montado o painel da degustação
O primeiro critério foi escolher vinhos oriundos apenas de regiões que contam com condições climáticas adequadas para uma boa maturação fenólica da uva e com bom reconhecimento da crítica especializada.
Buscamos também priorizar as principais regiões produtoras em termo de área plantada. França, EUA e Alemanha são os 3 maiores produtores e foram escolhidos. Nova Zelândia não poderia ficar de fora pelo reconhecimento de seus PN. Por fim, pela proximidade, não daria para fechar o painel sem um rótulo da América do Sul, no caso o chileno. Reconheço que faltou um rótulo italiano, que poderia vir tanto do Alto Adige, como de Oltrepò Pavese, mas infelizmente, não foi possível.
Idealmente seria desejado vinhos da mesma safra, ou pelo menos próxima. Mas dada as restrições de budget e, principalmente, pela baixa oferta no mercado brasileiro, o painel contou com vinhos de safras entre 2014-2020 e numa faixa de preço de R$ 300-750. Os vinhos escolhidos foram:

1 – Savigny 1er Cru Les Vergelesses 2014 do Domaine Arnoux Père et Fils da Borgonha, França. Importado pela Anima Vinum. Preço: R$ 498.
Era o vinho mais evoluído do painel, com boa estrutura e surpreendente carga tânica, a tipicidade de Savigny-les-Beaunes. Foi escolhido para ser o “campeão da noite” mas o público o classificou como 2° colocado.
2 – Rippon Pinot Noir 2016 produzido em Central Otago, na Nova Zelândia. Importado pela Premium. Preço: R$ 780.
O crítico Jorge Lucky classificou esse vinho, nessa mesma safra, entre os melhores tintos da Nova Zelândia degustados no mercado brasileiro em 2021, no ranking que publica anualmente no Valor Econômico. Porém, na escolha do público ele ficou empatado em 4.o lugar. Confesso que me surpreendi enormemente com essa baixa pontuação recebida. Meu palpite é que o vinho chegou ainda muito fechado na taça. Talvez merecesse um serviço diferenciado. Mas como diz o ditado, “a voz do povo é a voz de Deus”
3 – Willowbrook Pinot Noir 2020, produzido em Russian Valley, na Califórnia EUA. Importado pela WorldWine. Preço: R$ 288.
Com 14,3% de álcool e passagem por madeira, o vinho representa bem o estilo californiano. A fruta é madura, quase passificada, mas com boa acidez, taninos finos e uma discreta doçura no final. Jovem, potente e frutado. Para minha enorme surpresa foi eleito o melhor vinho da noite.
4 – Spätburgunder Kabinett Trocken 2016 produzido na região de Pfalz, na Alemanha. Importado pela Premium Wine. Preço: R$ 297.
Típico representante de um clima mais ameno, era o vinho de menor teor alcoolico do painel (12,5% abv), com menor corpo, maior acidez, menor carga tânica e com a fruta mais fresca. Dividiu o 4° lugar da noite com o Rippon.
5 – 20 Barrels Limited Edition Pinot Noir 2018 da Cono Sur do Valle de Casablanca, no Chile. Importado pela WorldWine. Preço: R$ 288.
Oriundo de uma região que produz ótimas opções de preço versus qualidade de PN, ficou em 3° lugar do painel. Predominaram as frutas negras, com boa acidez, carga tânica moderada e uma discreta doçura no final, inferior ao californiano.
Que conclusão tirar?
São muitos os aprendizados que podemos tirar de um exercício como esse. Ainda reconhecendo que esse teste não envolve uma amostra significativa e que incorreu em alguns desafios metodológicos, tais como safras distintas e o serviço do vinho que poderia ter sido mais bem realizado. Mas, mesmo assim, é interessante observar que maior preço e reconhecimento da crítica não coincidem necessariamente com a preferência do consumidor.
O resultado do painel nos ensina, mais uma vez, que gosto pessoal vem acima de tudo. E que a linguagem dos críticos “supostos entendidos” pode até contar muito em degustações abertas, quando os participantes são informados sobre o vinho, e principalmente o preço, do que estão consumindo. Mas às cegas, nem sempre. Talvez porque o “consumidor comum” não esteja habituado a vinhos evoluídos e está condicionado a apreciar vinhos frutados e mais diretos. Talvez….,mas é inegável que o melhor para um, quando se trata de vinho, não é necessariamente o melhor para o outro.
E fica o alerta para os simples mortais, como nós, que apreciamos vinho. Cuidado com os supostos “influencers” e cuidado com o marketing pesado por trás das grandes marcas. Será que o vinho de R$ 5.000 oferece 25 vezes mais prazer do que o vinho de R$ 200 ?
É exatamente pelos fatores, muito bem citados no texto, que a Pinot Noir talvez seja a variedade que mais expresse o terroir de onde provém e a forma de tratamento na cantina. Ela não mascara as condições de crescimento da safra, as características de seu terroir e de sua vinificação. O falecido Steven Spurrier foi perguntado, por Madeline Puckette (Wine Folly) no documentário SOMM 3, que se ele reeditasse o Julgamento de Paris, nos tempos atuais, se ele mudaria algo, e a resposta foi “Eu faria com a Pinot Noir”. Isso só reforça a genialidade do Mestre Renato Nahas ao escolher a variedade para tal experimento. Vamos chamar de o “Julgamento de Campinas” … bravo Mestre!!! Parabéns pelo conhecimento e iniciativa!!
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Mazon, e o mais “legal” desse documentário é que eles fazem um blind taste de PN e a Jancis Robinson fala (antes de mostrarem quais eram os vinhos) que o californiano era o mais “borgonha” de todos eles.
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Degustações às cegas são grandes experiências. Tivemos uma com Chardonnays aqui em Salvador. Depois de tantas considerações do grupo, tipo, esse tem que ser Novo Mundo ou esse só pode ser francês, Nova Zelândia com certeza…. Eram todos Chards nacionais. Essas degustações sempre nos revelam boas surpresas.
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Muito boa a matéria, Nahas. Degustações às cegas sempre reservam algumas surpresas. Tivemos uma exclusivamente de vinhos portugueses em 2019, promovida pelo Nilton Vieira, para comemorar seu aniversário. Muito interessante e grandes vinhos. O fato distintivo foi que colocou uma garrafa magnum da Quinta da Bacalhoa 2001. Ele a havia trazido da vinícola, por conta da informação de que fora uma safra espetacular. Levantou o primeiro lugar na votação que fizemos. A segunda pontuação ficou para uma garrafa de 750 ml. Quando tiramos o envelope… era o mesmo vinho, mesma safra que o Nilton inseriu de propósito para ver o resultado. Ultra positivo: a turma afinada, sem saber, escolheu as duas garrafas como as melhores da noite.
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O jogo de tabuleiro MESTRE DOS VINHOS, traz justamente esses questionamentos para a dinâmica do jogo que é realizada às cegas. Muitas vezes as expectativas esperadas de determinada cepa, terroir e estilo de produção nem sem são realizadas ou mesmo percebidas.
Outra questão são os estilos e gosto dos degustadores, que podem não gostar de vinhos mais evoluídos ou com pouca passagem por carvalho.
Enfim é isso que quis provocar com a criação do jogo.
Abraços
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