Os “Influenciadores” do Vinho e o Novo Normal

Por Renato Nahas

Quem se aventurar a mapear o atual ecossistema da indústria vinícola não pode ignorar o papel de destaque que os chamados “influenciadores” do vinho desempenham na cadeia que vai da produção ao consumo.

Nesse post, a ideia será mergulhar nesse universo que surgiu com as redes sociais, e foi potencializado durante o período de isolamento imposto pela pandemia do Covid-19.

A diferença de formadores de opinião e influenciadores

Ao consultar o Wikipédia, encontramos a seguinte definição para formador de opinião: “uma pessoa que tem a capacidade de influenciar e modificar a opinião de outras nos campos político, social, moral, cultural, econômico, esportivo, alimentar, etc.”

Dessa forma, os formadores de opinião modificam o pensamento dos usuários a partir de conhecimentos e experiências sobre um tema, ganhando credibilidade no mercado. Os influenciadores fazem o mesmo, mas graças ao alcance e o impacto que eles têm sobre os seus seguidores em seus processos de tomada de decisão.

A diferença pode ser sutil, mas não é. O ponto importante para a discussão que virá a seguir é que o conceito de formador de opinião envolve conhecimento técnico e experiência. Já o influenciador se destaca pela capacidade de ser ouvido e impactar muita gente. Obviamente, o influenciador do vinho pode ter conhecimento técnico e experiência no tema (e de fato muitos têm). Porém, na escala de atributos a capacidade de ser ouvida por muita gente é habilidade mais importante de um influenciador.

O impacto das redes sociais e o novo normal

O isolamento imposto pela pandemia do Covid-19 redefiniu o mercado do vinho no Brasil. Ainda é cedo para “cravar” conclusões definitivas, afinal a série histórica de dados ainda não é longa suficiente para embasar afirmações robustas. Porém, podemos sim especular que o isolamento social estimulou muita gente a consumir mais vinho e com mais frequência. Junto com isso, novos consumidores foram atraídos para a chamada “bebida de Baco”.

O isolamento social atuou de três formas para esse crescimento:

– Inicialmente porque as refeições passaram a acontecer no lar das pessoas, contribuindo para que vinho fosse incorporado às suas rotinas diárias. Rotina diária, aliás, que foi fortemente alterada restringindo os momentos de lazer e abrindo espaços para “pequenas compensações” nos quais o vinho ocupou lugar de destaque.

– Devido à redução na necessidade de dirigir, um fator que restringe fortemente o consumo.

– Um outro impacto do isolamento social foi a busca por novas formas de lazer. Neste cenário proliferaram os eventos online, afinal as pessoas estavam trancadas em casa. Havia de tudo: música, discussões filosóficas e discussões sobre vinho. E aliás aconteceram muitas e muitas lives, atraindo gente nova para o tema. As redes sociais democratizaram os debates sobre o vinho, viabilizando conversas sem limite de público. Era comum acontecer lives com menos de 10 pessoas, ao mesmo tempo que ocorriam outras com milhares.

E como já dissemos, foi aí que proliferaram os perfis nas redes sociais de candidatos a influenciadores de vinho, todos atraídos por um life style capaz de estimular os desejos e aspirações de muitas pessoas.

Vale dizer que já existiam influenciadores antes da pandemia. Mas na pandemia eles cresceram e se tornaram mais relevantes.

As importadoras antes da pandemia

A estória é conhecida e não é preciso nos aprofundarmos aqui. Até a abertura comercial, promovida no início da década de 1990, o mercado do vinho era incipiente no Brasil. Eliminadas as barreiras para importação, o mercado brasileiro foi invadido por uma enorme gama de vinhos. E veio de tudo, desde os ícones até os famosos vinhos “de garrafa azul” para literalmente matar a sede dos consumidores nacionais.

Mas compreender as várias nuances do vinho não é simples. São mais de 2.000 variedades de uvas, centenas de regiões produtoras e inúmeros estilos. No início da década de 1990, o consumidor brasileiro estava muito longe de compreender tudo isso.  E aí surgiram os “pioneiros do vinho”, gente que garimpava livros, revistas e referências sobre o tema. Apaixonados pelo assunto, estudavam, viajavam e empreendiam no setor. Surgiram assim as primeiras importadoras, os primeiros jornalistas especializados e instituições voltadas para a educação do vinho.

As importadoras assumiram um papel importante na disseminação do vinho no Brasil e formadores de opinião foram convocados para educar e ampliar a base de consumidores. O vinho “não se vendia sozinho” e precisava ser explicado. Isso obviamente fazia do vinho uma “bebida para poucos”, mas fazia sentido naquela realidade.

Os anos se passaram, o mercado evoluiu. A partir do início da década de 2010 o número de especialistas no tema foi ampliado e cursos de formação ganharam novos adeptos. Mas, de certa forma, as importadoras mantiveram a abordagem comercial tradicional. Surgiram os clubes de vinho, com o consumidor comprando uma assinatura mensal escolhida pelo distribuidor, proliferaram os comércios eletrônicos e os eventos relacionados ao vinho.

E aí veio a pandemia em 2020

O que acontecia de forma gradual teve que ser acelerado com o início da pandemia. O comércio eletrônico, que ainda se encontrava em fase embrionária em muitas importadoras, teve que ser turbinado. Entre as importadoras e distribuidores havia aqueles que estavam fazendo a lição de casa e se deram bem. E quem estava atrasado perdeu muito espaço.

Mas a mudança fundamental foi a perda de relevância da tradicional abordagem das importadoras. O tradicional formador de opinião, encarregado de explicar o vinho, ganhou uma enorme concorrência. O comércio eletrônico, além da venda, oferece informação de forma acessível ao consumidor. Além disso, as discussões sobre vinho “ganharam as ruas” abrindo espaço para que os influenciadores ocupassem papel de destaque.

Tentando catalogar os tipos de influenciadores

Devil is in the details. A definição de influenciador abarca uma enorme variedade. A lista que será apresentada a seguir é uma tentativa que não tem a ambição de capturar todas:

– O influenciador que é formador de opinião – se fôssemos usar uma analogia com a biologia, esta categoria estaria no “topo da cadeia alimentar”. Trata-se de alguém com conhecimento e experiência no tema e que foi capaz de atrair uma grande audiência nas redes sociais.

– O influenciador sem conteúdo – gente com enorme capacidade de atrair seguidores e engajamento. A abordagem com o público se aproxima ao entretenimento. São verdadeiros encantadores de algoritmos de redes sociais. Conhecem todos os truques (dancinhas, reels, etc) para atrair audiência.

– Os influenciadores “que escondem seus conflitos de interesse” – quem se propõe a emitir opinião de forma pública precisa também tornar público eventuais conflitos de interesse envolvidos, sob pena de ferir princípios éticos básicos. Um educador não pode elogiar um vinho que ele representa numa sala de aula, sem explicitar o seu relacionamento comercial. Da mesma forma, um jornalista não pode ter nenhum relacionamento comercial na indústria e deve informar seus leitores se participa de um evento ou viagem patrocinado. Isso é tão óbvio que nem precisaria ser dito. Mas, infelizmente, é importante dizer sim.-

– Os influenciadores que buscam “parcerias” – o comportamento aqui pode até parecer singelo, mas o problema é tender a uma propaganda enganosa. O indivíduo tem outra ocupação, mas tem algum conhecimento sobre vinho e consegue uma boa audiência nas redes sociais. Alguns são tão explícitos que incluem nos seus perfis: “para parcerias enviar mensagens para o e-mail tal”. As tais parcerias dizem respeito a bonificação de garrafas e/ou convites para eventos em troca de publicações positivas virando praticamente um garoto-propaganda de um produto ou marca que não sabemos se ele consome de fato.

– O influenciador nacionalista – esse sempre existiu, mas depois da pandemia cresceu exponencialmente. O problema é que alguns chegam a ser extremamente radicais, defendendo o vinho nacional (no caso o brasileiro), mesmo aqueles com custo-benefício duvidoso, de uma forma fanática e protecionista em detrimento aos demais. Entre esses influenciadores existe um grupo ainda mais extremo, que são os defensores dos vinhos de Inverno, ou dupla poda, ou poda de inverno. Alguns são adulados e bajulados pelos produtores e o fanatismo e suas interações beira o de uma seita religiosa.

Nem tudo que reluz é ouro

Um fato recente me chamou a atenção: a “enorme coincidência” da avalanche de publicações nas redes sociais após o Grande Prêmio de Fórmula 1 do Brasil de 2022. Longe de ser um fenômeno isolado, trata-se apenas de um sinal dos tempos.

O mundo do vinho apenas reflete uma das características marcantes da sociedade atual. Influenciadores estão espalhados por toda parte, basta observar a cena política do Brasil de 2022. Para aqueles que só buscam informações confiáveis, a receita é a de sempre: conhecimento, busca de fontes idôneas, e buscar experiência, como degustações, para aumentar o repertório sobre vinhos.

Enfim, conhecimento e experiência são os melhores antídotos contra as fake news do mundo do vinho.

Renato Nahas é Sommelier formado pela ABS-SP e Professor nos cursos de Introdução ao Mundo de Vinho e Formação de Sommelier Profissional na ABS-Campinas. Obteve a Certificação Master Level em Borgonha, pela WSG, além da  FWS, IWS, SWS, CSW e WSET3. Além disso é Formador Homologado de Jerez.
 

13 comentários em “Os “Influenciadores” do Vinho e o Novo Normal

    1. Essa é fácil , Toni. Influenciador e Formador de Opinião. O Sitta é minha referência em Uruguai e Argentina. E com a vantagens que não posta aquelas dancinhas no Reels … kkkk

      Curtido por 1 pessoa

  1. Bela matéria Renato! Faltou também 2 tipos de influencers, os “pró ícones” e os “contra ícones”. Aqueles que só criticam e falem que não valem, e os que só bebem hahahaa

    Curtido por 1 pessoa

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