L.A. : A Capital do Vinho de Abruzzo

Por Alessandro Calbucci

A L.A. de Abruzzo, Loreto Aprutino vale para a comunidade dos enófilos tanto quanto Los Angeles para os surfistas!

A 30 km da orla de Pescara, e a 20km tanto das montanhas da Maiella quanto de Gran Sasso (o monte mais alto da Itália fora das Dolomites). Em poucas palavras, um terroir magico ao centro deste triângulo natural e energético. Mas o terroir como sabemos não é só natureza mas também tradição. E aqui a tradição vinícola afunda as suas raízes desde o século XVII. Algumas das vinícolas hoje mais famosas mantiveram uma tradição (documentada) ininterrupta desde essa data.

Com essas premissa, podemos bem entender porque aqui se produz o melhor vinho branco da Itália, a única DOC para um vinho rosado na região e um dos tintos mais famosos da península .

O Trebbiano de Abruzzo de Valentini 2019 foi eleito o melhor vinho da Itália, e outros grandes intérpretes desta casta produzem vinho brancos de qualidade absoluta. O Cerasuolo de Abruzzo é considerado por muitos o melhor Rosé da Itália, e foi reconhecida como primeira e única Denominação Controlada de Abruzzo para um vinho rosado. Um vinho de importante estrutura e complexidade para um vinho rosado, produzido a partir da prensagem de uvas de Montepulciano.

Montepulciano de Abruzzo que sem dúvida é o grande protagonista dessa região, produzindo célebres vinhos rosados e vinhos tintos de reconhecida intensidade cromática e aromática, em virtude da carga antocianina única dessa casta.

Começamos a nossa jornada de estudos com um golpe de sorte! Na gastronomia da Rita, encontramos uma Sommelière brasileira de Natal, com quem rapidamente confraternizamos. Ela é casada com um cidadão de L. A. Começamos a trocar ideias sobre o mundo dos vinhos e fomos honrados por estes “osti” generosos com os três vinho não rotulados de Valentini. Este grande produtor alcançou o ápice do mundo dos vinhos e seus vinhos imediatamente alcançaram preços absurdos . A cantina não possui enoturismo e os vinhos são praticamente impossíveis de adquirir. Porém, a família Valentini , verdadeira instituição de L. A., proporciona para clientes fiéis e para amigos e restaurantes do povoado algumas garrafas não rotuladas. Este produtor nobre demonstra não esquecer a tradição e as origens humildes deste território.

Os vinhos são rústicos, artesanais e de grande complexidade e intensidade. Começamos pelo Montepulciano e passamos para o Trebbiano e o Cerasuolo. Vinhos que depois dos dois dias de visitas, se confirmaram entre os melhores por unanimidade de todos nós e que são vendidos por poucos Euros, dado que deveria fazer refletir todos nós sobre a atual relação entre valor e qualidade dos vinhos!

Acordamos no dia seguinte bem cedo para conhecer o vizinho de Valentini, a cantina Amorotti que entre os blogueiros de vinhos naturais é considerado o New Valentine (Novo Valentini). Eu penso que rapidamente será considerado somente é justamente como Amorotti pela extraordinária qualidade dos vinhos e, sobretudo, do produtor. Gaetano, herdeiro desta nobre família, nos recebeu com uma humildade e uma paixão que tenho visto em poucos vinhateiros.

A cantina é uma pérola escondida. Nos foi permitido fotografar porém foi solicitado para não divulgar as fotos. Uma cantina simples no subsolo mas onde se respira muita história. Gaetani nos contou um anedota que deixou a todos de boca aberta. Depois da reforma da vinícola, provavelmente pela falta de leveduras nas paredes, ou por uma colheita onde as uvas chegaram com escassez de leveduras indígenas, a fermentação espontânea não queria iniciar. Com toda a equipe um pouco decepcionada e sem querer recorrer á recursos enológicos convencionais, Gaetano confessa a situação crítica á sua mãe, que lembra como na infância dela o pessoal tinha hábito de cobrir os contendores com cobertores. Assim fizeram e, logo depois, a primeira fermentação da nova cantina começou .

Experimentamos os três vinhos , todos acomunados pelo fio vermelho da marcante acidez. O Trebbiano se apresenta com uma cor amarela levemente esverdeada e dourada ao mesmo tempo. Notas cítricas, mel e uma característica nota (redutiva) fumê.

Todos os vinhos passam por um ano em tonéis de carvalho, com uma estabilização em inox e em garrafa depois. Os vinhos não clarificados e não são filtrados.

O Cerasuolo 2021, com uma cor típica, brilhante, um nariz fresco direto com notas frutadas mas também notas defumadas e na boca uma estrutura média e grande frescor.

O Montepulciano 2021, ainda está muito jovem, mas já mostrando o grande potencial. A safra 2018, já mais pronta para ser bebida, se apresenta com a cor típica e super intensa do Montepulciano. Nariz complexo com notas de fruta negra, terra, couro, e na boca uma potência elegante!

Amorotti se confirma um grande exemplo de produtor capaz de reinventar a tradição sem traí-la. Vinhos tradicionais da região, mas vinificado com mínima intervenção e com grande contemporaneidade. A meu modesto parecer, a melhor cantina da região.

Saímos correndo do Borgo Alto da cidadezinha e fomos visitar um outro grande produtor histórico, De Fermo. Exemplo iluminante de agricultura biodinâmica em grande escala (170 hectares). Junto com os outros grandes produtores e agricultores da região, formaram uma associação chamas “Os Custodes”. O objetivo não é apenas enológico, mas bem maior, ecológico. Todos são proprietários de terrenos com mais de 150 hectares onde a vinha, como no caso do Valentini, chega a ocupar 70 hectares com baixíssima produção e, nos outros casos, ocupa até menos área da superfície total. Todos defendem a multicultura e a biodiversidade deste território.

De Fermo nos guia pelos campos para ver a produção dos preparados biodinâmicos onde animais, bosques e terrenos cultivados são perfeitamente integrados.

Os vinhos são super modernos, monitorados cientificamente e diariamente para evitar defeitos. A vinícola apresenta duas linhas de vinhos: uma mais ágil, fresca e concreta ( porque vinificada em cimento, concrete em inglês) e uma segunda mais complexa com vinificação em madeira por 12 meses aproximadamente. Aqui provamos uma típica casta autóctone, a Pecorina, uma casta delicadamente perfumada, com uma marcante acidez que origina vinhos de bela complexidade e muito diferente da Trebbiano.

Última etapa, cantina Lammidia. Localizados ao extremo mais alto da região, na Contrada Vagnola! i Lammidici como são simpaticamente chamados, se colocam também ao extremo da (anti)-tradição enológica. Não vem de famílias produtoras de vinho, estes dois jovens engenheiros apaixonados pelo vinho viajaram o mundo e resolveram voltar para a terra natal e fazer vinhos. As principais referências são jura e Loire. Assim inspirados, i Lammidici vinificam com um estilo natural e contemporâneo tanto as castas autóctones como Montepulciano, Pecorino e Montonico quanto castas como Pinot Noir, Poulsard e Riesling.

O estilo é claro e limpo: pouca extração, acidez explosiva e uma drinkability única. Não tem limite pela experimentação nessa contrada (povoado) ao topo da colina. Pouco inox, ânforas enterradas, foudres (botti grandes). Os vinhos são deliciosos. O talento é tangível. A ambição é grande, e como falou Davide: quero fazer o melhor Montepulciano di Abruzzo del mondo!”.

Provamos os brancos, delicados vivos e perfumados. O Montepulciano é flutuante como todos os vinhos dessa vinícola. Me apaixonei por um experimento único: Montepulsard! Um blend de Poulsard de Jura com Montepulciano. Um dos vinhos mais delicados já tinha experimentado na minha curta vida de caçadores de vinhos. Uma estrutura entérica, invisível mas com complexidade aromática e persistência surpreendentes.

I Lamiddici como amam dizer e escrever nos rótulos ecléticos utilizam: 100% uva e basta! Aqui não se bebe o terroir, se bebe um estilo e basta!

Nessa breve mas intensa jornada á L. A., atravessamos o universo enológico inteiro. Passando pela tradição, pela revisitação da tradição terminando com a traição. Uma região remota e fechada, mas que graças ao vinho é viva e super atualizada aos tempos de hoje e de amanhã.

Alessandro Calbucci
Wine Researcher and Beachtennis Ambassador

Um comentário em “L.A. : A Capital do Vinho de Abruzzo

  1. Caraca que experiência. O Valentini Trebiano é um dos melhores brancos que tomei na vida! Tenho extrema curiosidade em provar também o seu “rival” extremamente respeitado Emidio Pepe!

    Belo artigo

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