Grande Auxerrois, a Borgonha Pouco Conhecida

A bela cidade de Auxerre, na Borgonha

A Borgonha é composta por cinco regiões vinícolas. Duas delas, a Côte de Nuits e a Côte de Beaune, que formam a celebrada Côte D’Or, são as mais conhecidas e badaladas. Não é à toa, afinal reúnem 32 dos 33 Grands Crus da Borgonha, assim como os nomes mais icônicos dessa área tão especial do mundo do vinho, como Vosne-Romanée, Puligny-Montrachet, Chambolle-Musigny, só para citar alguns. Outras duas, a Côte Chalonnaise e Mâconnais, também ganham cada vez mais os holofotes, pois entregam ótimos vinhos a preços não tão proibitivos, como os da Côte D’Or.

Os Villages “Menos Caros” da Borgonha

E há uma quinta região, a meu ver injustamente menos considerada e comentada, a exceção do seu membro mais ilustre, Chablis. Essa região é formada pela Grande Auxerrois, Chablis e Châtillonnais. Como pode ser observado no mapa abaixo, as outras quatro regiões são contíguas. A partir de Dijon, de carro, é possível passar por todas elas, ininterruptamente, começando na Côte de Nuits, avançando até a Côte de Beaune, atravessando a Côte Chalonnaise e Maconnais até a fronteira com a região de Beaujolais, sempre com vinhedos decorando a paisagem.

Já essa região que iremos abordar é isolada das demais. Cerca de 160 km separam sua principal cidade, Auxerre, de Dijon. E no meio do caminho entre ambas há um hiato, com a substituição de vinhedos pelo cultivo de outros produtos agrícolas.

Essa região teve uma história diferente do resto da Borgonha. Na idade média pertencia ao Conde de Champagne, portanto, os vinhos de Chablis e Grande Auxerrois faziam parte de Champagne. No entanto, em 1417 toda área passou para o domínio do Duque da Borgonha, onde permanece até hoje, mas sempre guardando um certo distanciamento. Do ponto de vista administrativo, a região é parte do Departamento de Yonne, subordinado a administração da Borgonha.

Voltando às questões vinícolas, o pequeno vilarejo de Chablis produz um dos Chardonnays mais distintos e particulares do mundo e sedia o único vinhedo Grand Cru, fora da Côte D’Or. Isso faz com que “a sombra de Chablis” ofusque toda a região, a ponto de muitos mapas e autores tratarem toda essa área simplesmente com o nome de Chablis. O que é uma grande injustiça, como veremos adiante. Afinal, como ignorar a Grande Auxerrois e Chatillionais, região essa que produz ótimos Cremant de Bourgogne, o espumante local? Mas para não deixar esse artigo muito longo, deixaremos Chatillionais para uma outra ocasião.

Grande Auxerrois é um termo usado para definir a região vinícola formada por vários vilarejos no vale do rio Yonne. A área conta com 1.750 hectares de vinhedos. Apesar da proximidade, convencionou-se tratar Chablis como uma outra região vinícola, apesar de Chablis estar geograficamente inserida na Grande Auxerrois. Independente disso, a proximidade obviamente acarreta algumas similaridades, como veremos mais adiante.

A região conta com apenas dois Villages com o status de AOC: Irancy e Saint-Bris. A produção de outras áreas é classificada como Borgonha Regional. Deveria ser simples, mas como estamos na Borgonha, nada é simples. Assim, há várias Apelações regionais nessa área, que iremos abordar mais adiante. O importante agora é pontuar que existem vilarejos com o status de AOC Village (Irancy e Saint-Bris) e outros com AOC Borgonha Regional específica, com vinhos oriundos de uma região delimitada, mas não contam com o status de AOC Village: São as seguintes áreas, cujos nomes podemos encontrar no rótulo dos vinhos: Chitry, Coulanges-la-Vineuse, Côte Saint-Jacques, Tonnerre,  Épineuil e Vézelay. Há bons achados escondidos nessa complicação toda e que tentaremos mostrar aqui.

Antes de entrarmos em cada região específica, vale uma consideração sobre as uvas. A Borgonha é associada com duas uvas: a tinta Pinot Noir e a branca Chardonnay. Porém, a Grande Auxerrois contempla um leque mais amplo de varietais. Além da Chardonnay, outras cinco uvas brancas são permitidas nos vinhos da região: Sauvignon Blanc, Aligoté, Pinot Gris, Melon de Borgonha e Saci. Já na Tintas, além da Pinot Noir, as castas Cesar, Gamay e Tressot são permitidas.

Dito isso, vamos detalhar um pouco mais cada AOC da região da Grande Auxerrois:

O vilarejo de Irancy recebeu o status de Village em 1998. Com apenas 170 hectares de vinhedo produz pouco e boa parte é consumida localmente. No Brasil a Importadora Anima Vinum distribui um dos raros rótulos dessa região, do produtor Domaine Dampt. De acordo com a regulação da AOC os vinhos devem ser produzidos a partir de um Blend com Pinot Noir e Cesar, sendo que esse não pode ultrapassar 10%. Apesar da pequena participação no Blend, a uva Cesar é marcante, sendo capaz de conferir corpo, cor e tanino ao vinho, que tem um aroma marcante de frutas negras e taninos acima da média para a região. Para os padrões da Borgonha o Irancy pode ser considerado rústico. O grande produtor da região é Domaine Cantin, que não tem distribuição no Brasil. Porém há duas boas opções disponíveis no nosso país. A importadora Anima Vinum distribui o Irancy Ancestrale do Domaine Dampt  (R$ 230) e a Delacroix, o Domaine des Temps Perdus (R$ 189)

O outro vilarejo que tem o status de AOC Village é Saint-Bris, que ganhou essa qualificação em 2002. E Saint-Bris pode ser considerada a “exceção das exceções” na Borgonha. Produz apenas vinhos brancos e, majoritariamente, com a casta Sauvignon Blanc. Por coincidência, tem uma área plantada similar a Irancy, 170 hectares. Fica a apenas 120 km de Sancerre e é de lá, provavelmente, a origem do clone da Sauvignon Blanc utilizada. Tem um estilo parecido com Sancerre, mas uma grande vantagem de preço. O mais importante produtor da região é o Domaine Philippe Defrance, sem distribuição no Brasil. A importadora Delacroix traz o Domaine des Temps Perdus, Clotilde Davenne, um vinho acessível (R$ 147) e bastante agradável.

Borgonha Épineuil é uma AOC regional minúscula. Apenas 58 hectares de vinhedo. No século 19 chegou a ter uma produção expressiva e renomada. Os vinhedos foram relançados na década de 1960 por André Durand. A Pinot Noir é a uva mais plantada, mas são encontradas também a Chardonnay e Pinot Gris. Os tintos de Épineuil são conhecidos pelo intenso aroma de framboesa e especiados. No Brasil, a importadora Anima Vinum oferece um vinho dessa AOC, do produtor Domaine Dampt (R$ 185).

Borgonha Tonnerre tem uma área plantada ainda menor que a minúscula Épineuil, apenas 47 hectares. Em 1822, André Jullien um famoso escritor sobre vinhos francês, classificou os vinhos de Tonnerre acima dos de Chablis e Meursault, em termos de qualidade. Hoje, a apelação compreende apenas brancos produzidos com Chardonnay. A proximidade com Chablis (apenas 15km) não é apenas geográfica. Lembra os vinhos mais simples, mas de boa qualidade do vizinho famoso. A importadora Anima Vinum traz o Bourgogne Tonnerre Les Clos du Chãteau do Domaine Dampt (R$ 185).

Borgonha Vézelay, com uma área plantada de 68 hectares clama ter 20 séculos de viticultura. Em 1689 foi descoberto um templo dedicado Baco, o deus romano do vinho, o que confere alguma credibilidade para a longa tradição da região. O cultivo do vinho praticamente desapareceu após a filoxera e o cultivo foi retomado na década de 1980, com a uva Melon de Bourgogne. Essa uva hoje não é permitida nessa apelação e é engarrafada na AOC Couteaux Bourguignon. A AOC é exclusiva para vinhos brancos e 100% Chardonnay. O grande produtor da região é o Domaine Dessus Bom Boire (Vaux), infelizmente sem distribuição no Brasil. Até recentemente a Importadora Anima Vinum vendia um vinho dessa região, mas no dia que esse artigo foi escrito, 04/04/2020, o vinho não estava disponível no site.

Borgonha Chitry – Tem apenas 53 hectares de vinhedos. 61% da produção é de brancos e 39% Tintos. O solo de Chitry tem origem kimmeridgian, a mesma de Chablis. Até o século 19 seus vinhos eram comercializados como Chablis. Não é surpresa, portanto, dizer que seu estilo lembra o do vizinho ilustre, apesar de ser mais redondo e menos mineral. Produz também um Pinot Noir de baixa intensidade de cor, fragrante e de baixos taninos. Não conheço nenhum importador que traga esses vinhos para o Brasil.

Borgonha Coulanges-la-Vineuse – A particularidade dessa apelação, que tem 95 hectares de vinhedos cultivados, é que 30% da sua produção é composta por Rosé, uma raridade, na Borgonha e infelizmente sem distribuição.

Esse artigo tentou jogar luz sobre uma região pouco conhecida e explorada da Borgonha, mas capaz de entregar uma boa qualidade a preços acessíveis. Infelizmente o autor só conhece duas importadoras que trabalham com essa região, a Anima Vinum e a de la Croix Vinhos, mas torce bastante para que a oferta no Brasil seja ampliada.

Uma Única Região de Vinhos, pelo Resto da Vida!

Renato Nahas é Sommelier formado pela ABS-SP e Professor nos cursos de Introdução ao Mundo de Vinho e Formação de Sommelier Profissional na ABS-Campinas. Possui as seguintes certificações internacionais: FWS, CSW e WSET3. Além disso é Formador Homologado de Jerez, certificado pelo Consejo Regulador de Jerez.
Serviço:
Anima Vinum – https://www.animavinum.com.br/
Telefone – (11) 2774 3767 | (11) 2774 3768

de la Croix Vinhos – https://www.delacroixvinhos.com.br/
Telefone – (11) 3034 6214

7 comentários em “Grande Auxerrois, a Borgonha Pouco Conhecida

  1. Mestre Renato, parabéns pelo brilhante texto e pela objetividade e clareza das informações. Realmente essas duas importadoras estão “revigorando” as opções de Borgonha no Brasil e brindando-nos com ótimas oportunidades, como o Mestre detalhadamente nos descreveu. Parabéns e fico no aguardo da próxima já … grande abraço!

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  2. Renato sua matéria é inspiradora…
    Tinha uma viagem para região em maio que foi alterada para início de Setembro.
    Em virtude do que escreveu, vou dar uma ajustada no roteiro.
    Parabéns !!
    Forte abraço!!

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